Uma eleição marcada por rusgas internas nos partidos

Partidos de esquerda e direita tiveram problemas entre membros das siglas desde o início da pré-campanha até o segundo turno das eleições 2024

Publicado em 24/10/2024 às 11:09

As costuras que envolveram as eleições deste ano em Pernambuco foram marcadas por diversos embates internos em partidos de esquerda e de direita, motivados por interesses pessoais, acordos nacionais e nacionais, repasses de recursos e formação de alianças. Os imbróglios começaram antes mesmo do início oficial de campanha.

No campo progressista, a situação mais emblemática envolveu a escolha do vice-prefeito de João Campos, um imbróglio que começou meses atrás. O Partido dos Trabalhadores era o maior interessado no posto, visando ficar com a prefeitura em 2026, quando o socialista deverá deixar o cargo para disputar o governo.

Enquanto o PSB de João fazia mistério sobre a escolha, chegando a exonerar e filiar quatro secretários municipais que poderiam ficar com o posto, o PT chegou a fazer prévias dentro do partido para definir quem seria o escolhido, expondo as figuras do secretário ministerial Mozart Sales e do deputado federal Carlos Veras, que ficaram a ver navios.

Após um acordo que envolveu o presidente Lula e o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, Campos optou pelo seu fiel escudeiro Victor Marques (PCdoB). O deputado estadual e ex-prefeito do Recife, João Paulo (PT), chegou a dizer que o PT saiu humilhado da negociação.

Ainda na esquerda, outro embate homérico envolveu - mais uma vez - o deputado federal Túlio Gadêlha (Rede). O parlamentar chegou a anunciar sua candidatura própria na capital pernambucana, mas, depois de semanas de bate e rebate junto aos diretórios locais e nacionais, teve que ver Dani Portela (PSOL) ser escolhida pela federação para disputar o posto. Ela ficou em terceiro lugar na disputa.

Outro disse-me-disse ocorreu dentro do Partido Verde. Enquanto o diretório estadual do partido, liderado pelo deputado federal Clodoaldo Magalhães, ingressou no governo Raquel Lyra (PSDB), indicando Yanne Teles para a secretaria de Criança e Juventude, o diretório municipal rumava lado a lado com João Campos. O partido integra a federação Brasil da Esperança, que colocou Victor Marques na vice do prefeito.

Na época, o presidente do PV no Recife, o vereador Marco Aurélio Filho, garantiu fidelidade a Campos, publicando uma nota em que dizia “não acompanhar qualquer movimento contrário” ao que foi definido na convenção partidária.

O Partido dos Trabalhadores também ficou dividido na cidade de Paulista, no Grande Recife. Tudo começou quando o atual prefeito Yves Ribeiro (PT) decidiu não se reeleger, não se entendeu com o partido sobre um apoio sólido no primeiro turno e rumou ao lado de Ramos (PSDB), que tem apoio da governadora Raquel Lyra.

Dirigentes petistas, então, tiveram que decidir de última hora o destino da sigla na votação, e fecharam acordo com Francisco Padilha (PDT), indicando a vice dele. O candidato ficou em 5º no pleito.

No segundo turno, o PT de Paulista, influenciado por Yves Ribeiro, declarou apoio a Ramos, mas o opositor dele nesta segunda etapa, Júnior Matuto (PSB), recorreu ao diretório nacional e, por decisão da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, a sigla está apoiando o candidato do PSB.

Direita dividida

O maior entrevero público da direita em Pernambuco nessas eleições ocorreu dentro do Partido Liberal. O candidato à prefeitura do Recife Gilson Machado teve que ouvir uma declaração pesada do presidente nacional da legenda, Valdemar Costa Neto, que afirmou não ter enviado mais recursos para a chapa na capital pernambucana porque João Campos já teria vencido o pleito. “Dinheiro não foi feito para queimar”, disse Valdemar, numa das aspas mais marcantes dessa eleição.

A partir disso, veio a público um problema que já era conhecido nos corredores do PL em Pernambuco: o racha entre o grupo de Gilson Machado e o clã de Anderson Ferreira, presidente estadual da sigla. Diversos candidatos a vereador ligados ao ex-ministro acusaram publicamente o dirigente estadual de não destinar recursos para suas campanhas, alegando que ele estaria favorecendo nomes do seu entorno. Anderson não se manifestou.

No União Brasil, a confusão se deu após o partido apoiar o prefeito João Campos, numa costura que envolveu apoio da sigla na eleição da Câmara dos Deputados. O presidente do diretório do partido na capital, Mendonça Filho, histórico crítico da esquerda, não entrou em acordo com o prefeito socialista e se licenciou da presidência da legenda no Recife, declarando apoio a Daniel Coelho (PSD), do grupo da governadora Raquel Lyra.

No segundo turno em Olinda, no Grande Recife, o Partido Progressistas também se viu dividido. Enquanto o vice-prefeito Márcio Botelho, derrotado no primeiro turno, declarou apoio a Vini Castello (PT) nesta segunda etapa, por conta de suas rusgas com o prefeito Lupércio (PSD), outra ala do partido - leia-se os Collins - declarou apoio à candidata do prefeito, Mirella Almeida (PSD). O presidente estadual da legenda, Eduardo da Fonte, não se meteu na briga.

Divergências são normais

Divergências entre membros de partidos políticos são históricas e não foram exclusivas das eleições deste ano em Pernambuco. No pleito de 2022, por exemplo, membros do Partido dos Trabalhadores ignoraram o apoio da executiva nacional a Danilo Cabral (PSB) na disputa pelo governo de Pernambuco e rumaram junto a Marília Arraes (Solidariedade), devido à relação estreita dela com o presidente Lula.

Na visão do doutor em Ciência Política e professor substituto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Jorge Gomes, é natural ter disparidades dentro dos grupos políticos.

“Isso mostra algum grau de democracia interna dentro dos partidos, e isso é positivo. Não é legal para um partido ter uma visão hegemônica. Além disso, no Brasil a gente ainda tem as coligações para eleições majoritárias. Você pode ter uma coligação a nível federal, outra a nível estadual e outra a nível municipal, e isso gera um grau de confusão não trivial”, analisou.

As consequências desse tipo de confusão podem gerar desgastes mais profundos em partidos menores, segundo o cientista político. Ele entende que siglas sem tanta tradição ou com olhares mais ideológicos podem sair mais desgastadas após esse tipo de exposição pública.

“No caso da federação Rede/PSOL, por exemplo, é um estrago muito feio, porque é uma federação pequena, e acaba sendo mais pesado do que dentro do PT, que é um partido maior, com mais força eleitoral. Quando a gente vê o tipo de discussão de ‘não vamos ter um candidato branco, ligado à família tradicional, homem’, e aí você teve o lançamento da campanha de Túlio, a ministra veio, e de repente esse projeto é abortado, isso é muito pior do que em outros casos. No caso dos pequenos, mais ideológicos, a imagem sai mais desgastada”, avaliou.

Ainda que uma ampla maioria dos membros dos partidos tenham uma visão semelhante, é comum que líderes com vozes fortes dentro das legendas possam destoar do comum. É o caso de João Paulo, cacique histórico do PT de Pernambuco, por exemplo.

“Existe um conflito clássico dentro das disputas internas do partido, que são os interesses nacionais e os interesses locais. A saída encontrada por João Campos foi natural, bem de meio termo, comum na política. É natural a reação de João Paulo, que queria candidatura própria, mas os interesses nacionais se sobrepuseram”, apontou o professor, acrescentando que a saída para essas situações seria o fortalecimento dos diretórios locais.

“Se não forem fortes, não terão condição de se sobrepor aos interesses nacionais”, apontou o especialista.

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