Seja para os mais velhos ou para os mais novos, para os apaixonados ou para os medrosos, “o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço”, já diz a canção da banda Jota Quest. Embora nunca vá deixar de existir ou de ser uma boa representação de carinho, em tempos de pandemia do coronavírus, esse gesto tão corriqueiro precisou ser abandonado, ou, pelo menos, desencorajado, para que se possa evitar o contágio. Justamente por essa razão, nesta sexta-feira (22), a data em que se comemora o Dia Nacional do Abraço não poderá ser celebrada da forma mais óbvia: abraçando.
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Embora não se deva abraçar, não se pode deixar de reconhecer a sua importância. Para o psicoterapeuta e psiquiatra Amaury Cantilino, “o abraço é um símbolo reforçador de uma grande necessidade humana: a conexão com o outro.” O médico explica que a necessidade de estabelecer vínculos é vital para os humanos. “Desde que os primeiros primatas desceram das árvores, ficaram a mercê de uma quantidade bem maior de predadores. A capacidade de estabelecer vínculos sociais foi fundamental para a sobrevivência”, explica.
Os humanos são herdeiros de um sistema de cooperação que, ao longo da evolução, chegou ao que chamamos de amizade - o que, sem dúvida, envolve muitos abraços. “Fazer amigos é algo universal entre nós. É uma habilidade que adquirimos quase que naturalmente. Hoje temos diversos símbolos que demonstram a nossa disposição em estar vinculado ao grupo, às pessoas. O abraço é um deles. Um dos mais importantes”, esclarece o especialista.
Os benefícios que esse afago traz não são poucos também, inclusive, atestados pela ciência. Em 2013, um estudo da Universidade Médica de Viena, na Áustria, liderado pelo neurofisiologista Jürgen Sandkühler, comprovou que abraçar alguém que confiamos pode, além de promover o bem-estar, reduzir a pressão arterial e melhorar a memória. O responsável por tudo isso é a oxitocina liberada no organismo. O hormônio, relacionado a felicidade, quando presente na corrente sanguínea, reduz a pressão arterial e diminui a sensação de estresse e ansiedade.
Ainda, um abraço pode aliviar a dor. É o que a psicóloga Karen Grewn descobriu em seu estudo na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. Para chegar nessa afirmação, ela e sua equipe recrutaram mulheres que sofriam com enxaqueca e, com os abraços, as participantes relataram melhora significativa na dor de cabeça. A conclusão da psicóloga é que o cérebro recebe primeiro os sinais de alívio em relação à sensação de dor durante essa ação.
Entretanto, para os brasileiros, o gesto não aconselhado pode ser ainda mais simbólico, e provavelmente, fazer ainda mais falta nesse momento. “O brasileiro, como bom latino, gosta da proximidade, do toque e, certamente, dos abraços. Tem sido estranho para nós. O abraço é quase um ato automático quando encontramos um amigo querido ou quando simplesmente queremos expressar contentamento, tristeza ou solidariedade. Por aqui, tudo é motivo para um abraço. Estamos passando por uma espécie de reprogramação mental, onde temos que frear um ato natural. Mais penoso ainda é não poder dar uma abraço consolador em alguém que perdeu um ente querido”, observa Amaury.
Mas a falta que o abraço faz durante a pandemia não precisa impedir a demonstração de afeto. Um desses caminhos, para o psicoterapeuta, pode ser a palavra. “Acho que nessa reprogramação mental, precisamos incluir a ideia de que o distanciamento social não significa um distanciamento afetivo. É uma oportunidade para a gente usar mais as palavras para manifestar nossa afeição, nossa saudade, nosso pesar. É época de acariciar com a conversa, de afagar com gestos de atenção”, sugere.
Ainda, o psicoterapeuta destaca exemplos que viralizaram na internet tentando driblar a necessidade do abraço com outras estratégias de demonstração de afeto. “Tenho visto aniversários na varanda com "participação" de vizinhos, maior uso de mensagens de celular e até velórios por aplicativos de videoconferência. A gente vai fazendo o que pode para ocupar esse vazio deixado pela falta do abraço”, orienta o médico. O que vale, no fim das contas, é abraçar a afetividade que está em nosso alcance.