Vídeo de homem implorando por banho de mar foi gravado um dia depois do anúncio de reabertura da orla

Fechada para banhos de mar desde março, a orla de Salvador foi reaberta dois dias depois da gravação. Três praias, incluindo o local em que o vídeo foi gravado, permaneceriam fechadas por conta da estreita faixa de areia
JC
Publicado em 29/09/2020 às 8:47
Vídeo viralizou no Facebook e no Twitter Foto: Projeto Comprova


Conteúdo verificado: Tuíte exibe um vídeo em que um homem de sunga é impedido de entrar no mar para afirmar que suas liberdades individuais estariam sendo sufocadas.

Postagem que afirma que um homem está tendo as liberdades individuais sufocadas ao ser impedido por dois guardas municipais de entrar na praia do Porto da Barra, em Salvador, omite o fato de que as praias da cidade, fechadas desde março por conta da pandemia do novo coronavírus, estavam em processo de reabertura no momento da gravação do vídeo.

No dia anterior à gravação das imagens, a prefeitura havia anunciado que quase todas as praias de Salvador estariam liberadas para banhistas de segunda a sexta-feira. A liberação, seis meses após a interdição, no entanto, não incluiu as praias do Porto da Barra, da Paciência e do Buracão – as duas últimas no bairro do Rio Vermelho – porque elas têm uma faixa de areia pequena. A autorização foi suspensa novamente no dia 28 de setembro, porque o decreto foi desrespeitado e as pessoas frequentaram as praias no final de semana.

O vídeo foi postado originalmente no perfil do Facebook do homem que aparece nas imagens. De sunga e sem máscara, ele alega que quer dar apenas um mergulho e que precisa tomar banho de mar diariamente por recomendação médica. Na postagem original, feita no sábado (19), o vídeo tem 1 minuto e 36 segundos. No dia 22 de setembro, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) postou o vídeo em sua conta no Twitter, com 36 segundos a menos – foi cortado o início, em que o homem diz o seu nome. Ele é candidato a vereador em Salvador.

Procurado pelo Comprova, o homem que aparece de sunga no vídeo disse que adquiriu um problema de saúde depois de um assalto e que o tratava com banhos de mar. Apesar da interdição ter sido feita em março, o homem declarou que se banha todos os dias na praia do Porto da Barra e que não sabia que o local estava interditada.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

Primeiro, o Comprova buscou por vídeos e outras publicações na internet que levassem a um homem que protestava contra a proibição do banho de mar em Salvador. Foram localizados outros vídeos de protesto durante a pandemia. Em um deles, o homem usava um megafone para protestar na porta do prédio onde mora o prefeito ACM Neto e se identificava.

A partir do nome dito pelo homem em um dos vídeos, localizamos o perfil dele no Facebook. Lá, encontramos o vídeo original gravado na praia do Porto da Barra e outras postagens feitas no local, ao vivo, no mesmo dia.

Procuramos ainda a Guarda Civil Municipal de Salvador, responsável pela fiscalização do acesso às praias e o homem que aparece nas imagens, além do Ministério Público Estadual (MP-BA) e Federal (MPF), citados por ele no vídeo. Também foi procurada a deputada federal Bia Kicis, que compartilhou o vídeo viralizado.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 28 de setembro de 2020.

Praia interditada

O vídeo foi gravado no dia 19 de setembro de 2020, um sábado, na praia do Porto da Barra, uma das mais frequentadas de Salvador (BA), e postado originalmente no perfil de Facebook do homem que aparece de sunga nas imagens. As imagens são feitas por uma outra pessoa, que não aparece nas gravações. Procurado pelo Comprova, o homem disse não saber quem gravou o vídeo, embora ele o tenha postado diretamente em sua conta no Facebook.

No mesmo dia, o usuário fez uma transmissão ao vivo na mesma praia, às 9h52. Um pouco mais tarde, às 11h41, ele também fez uma transmissão ao vivo na entrada do Shopping Barra, que fica no mesmo bairro que a praia em questão.

Em postagens nos dias seguintes, ele afirma que se dirigiu ao Porto da Barra, no sábado (19), e que foi impedido de acessar o local pela Guarda Municipal. No vídeo, é possível perceber que, diante do pedido do homem para entrar na praia, os dois guardas respondem que “infelizmente, não é possível”.

O acesso de banhistas ao local está proibido desde 21 de março. No dia em que as imagens foram feitas, a interdição valia para o Porto da Barra e outras cinco praias da capital baiana: Farol da Barra, Rio Vermelho, Itapuã, Piatã e Ribeira. Nas demais, não havia proibição, mas recomendação para que as pessoas não as frequentassem para evitar aglomerações. As operações de fiscalização feitas pela prefeitura nas praias foram batizadas de ‘Tira o pé da areia’.

No vídeo, o homem cobra providências de deputados, promotores e do Ministério Público Federal. O decreto que interdita as praias de Salvador, no entanto, é municipal e não tem interferência de deputados. Por e-mail, o Ministério Público Federal disse que, “por não envolver autoridades com foro por prerrogativa de função em tribunais superiores, a Procuradoria-Geral da República não atua no caso das praias de Salvador”.

O Ministério Público Estadual informou, por e-mail, que o Grupo de Trabalho de Enfrentamento do Novo Coronavírus (GT Coronavírus) “recebeu reclamações de cidadãos quanto à restrição do acesso às praias” e que “o GT enviou ofício à prefeitura pedindo informações sobre o protocolo de reabertura das praias, dos estudos técnicos que vão baseá-lo”.

A assessoria de comunicação da Prefeitura de Salvador informou que “todas as ações são amplamente divulgadas em todos os canais oficiais da Prefeitura, além da imprensa, e que o MP tem acesso através do Diário Oficial do Município, onde são publicados todos os protocolos”.

Abertura parcial

As imagens foram feitas no Porto da Barra no dia seguinte ao anúncio feito pelo prefeito ACM Neto (DEM) de que o acesso à maioria das praias de Salvador seria liberado, mas somente de segunda a sexta-feira. Ou seja, a determinação passou a valer no dia 21 de setembro, seis meses após as interdições e dois dias após a gravação do vídeo.

Apesar da liberação, três praias seguiram interditadas, mesmo durante a semana: o próprio Porto da Barra, a Praia da Paciência e a praia do Buracão – estas duas últimas no bairro do Rio Vermelho. Apesar do bloqueio para banhistas, as praias estiveram liberadas para pescadores neste período.

Por e-mail, a Guarda Civil Municipal, responsável por fiscalizar o acesso, informou que estas três praias ficaram fora da liberação, neste primeiro momento, porque “possuem uma faixa de areia pequena, logo sendo ambientes com facilidades para gerar aglomerações”. A Guarda acrescentou que “em tempos comuns, sem a atual pandemia, [esses locais] recebem uma grande quantidade de público”.

Outras opções

O mesmo homem que foi barrado no Porto da Barra no dia 19 de setembro voltou ao local na segunda-feira, 21 de setembro. Neste dia, no entanto, ele e outros banhistas tinham uma alternativa: a praia do Farol da Barra, vizinha ao Porto, estava liberada por decreto municipal. O acesso fica a cerca de 800 metros do local onde foi gravado o vídeo.

Incluindo as três ilhas que compõem o território de Salvador – Ilha dos Frades, Ilha de Maré e Ilha de Bom Jesus dos Passos – a capital baiana possui 64 quilômetros de orla marítima. Dentro da cidade, são 50 quilômetros de praias, que lotaram no final de semana em que o vídeo foi gravado.

Por causa do desrespeito ao decreto que permitia a liberação das praias somente durante a semana, a prefeitura decidiu interditá-las novamente. O anúncio foi feito no dia 28 de setembro e, a princípio, a interdição tem o prazo de validade de uma semana.

Tratamento com banho de mar

Procurado pelo Comprova e questionado sobre qual doença ele tinha que necessitava de banhos de mar, o homem informou que foi assaltado, “pegou pânico e se curou tomando banho de mar”. “Todos os dias tenho que toma banho de mar sempre tomei banho de mar no Porto não sabia que estava proibido (sic)”, declarou.

Ele acrescentou que ele e mais pessoas tomam banho de mar no Porto da Barra todos os dias, que 60 idosos se reúnem no lugar para “curar tudo” e que o banho de mar “relaxa, dá saúde em todo o corpo, tira manchas e tira covid-19 (sic)”. O homem não respondeu que médico lhe fez a recomendação, nem explicou como não sabia que a praia estava interditada, mesmo tendo informado que ia lá todos os dias. O homem ainda disse que em outra praia da cidade, no Jardim de Alah, teve o mesmo problema. Questionado se foi em outra praia, disse que não por ser “homem idoso” e alegou que frequenta o Porto da Barra por morar no bairro de Brotas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), ainda não há cura para a covid-19.

Procurada pelo Comprova, a deputada federal Bia Kicis informou que não sabia detalhes sobre a situação, mas que “é nítido pelo vídeo que essa informação [interdição] não foi passada a esse senhor”, disse a assessoria da parlamentar, em nota.

Apesar disso, no dia 20 de março, o acesso à praia foi fechado por tapumes e uma placa foi instalada no local informando que a praia estava interditada por força do decreto 32.272/2020.

Por que investigamos?

Em sua terceira fase, o Comprova checa conteúdos virais que possam espalhar desinformação nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. O vídeo compartilhado pela deputada teve mais de 31 mil curtidas no Twitter até o dia 28 de setembro, além de ter sido retuitado 3,8 mil vezes até a mesma data.

Embora o vídeo seja verdadeiro, ele omite a informação de que um homem estava tentando acessar uma praia que foi interditada por decreto municipal devido à pandemia do novo coronavírus, para evitar aglomerações que possam disseminar ainda mais a doença. Outras praias da cidade não foram interditadas, mas havia a recomendação de também evitar aglomerações.

Como o homem que aparece nas imagens é candidato a vereador em Salvador, o Comprova omitiu seu nome desta verificação.

Não é a primeira vez que medidas de proteção contra a covid-19 são atacadas nas redes sociais. O Comprova mostrou que eram enganosas as postagens que relacionavam a morte de uma menina na Alemanha ao uso de máscara e que equipamentos de proteção exportados pela China estavam contaminados.

Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: Correio e O Estado de S. Paulo. Verificado por: GZH, Jornal do Commercio, NSC, Nexo Jornal, A Gazeta, UOL, Poder 360 e Folha de S. Paulo.

TAGS
brasil projeto comprova fake news covid-19 coronavírus
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory