Conteúdo verificado: Publicações no Facebook e no Twitter criticam a defesa da vacina e a condenação da hidroxicloroquina no cenário da pandemia da covid-19, alegando que enquanto o medicamento é estudado e usado há décadas, a Coronavac tem caráter experimental.
São falsas as informações veiculadas em postagens nas redes sociais que sugerem uma contradição entre defender a aplicação de uma vacina contra o novo coronavírus e condenar o uso da hidroxicloroquina em pacientes da pandemia. Para tal, a publicação alega que o medicamento “está em uso há mais de 70 anos” e que o imunizante “é experimental, com menos de 8 meses”.
O uso do remédio não tem eficácia comprovada contra a covid-19, e a utilização dele, por décadas, é para o tratamentos de outras doenças, principalmente as autoimunes. Estudos recentes, aliás, indicaram que o uso da hidroxicloroquina em pacientes com o novo coronavírus pode aumentar o risco de efeitos colaterais. A informação de que o governador João Doria (PSDB), de São Paulo, proibiu o uso do medicamento também não procede.
Quanto à vacina, nenhuma ainda foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), já que a o novo coronavírus foi descoberto há menos de um ano e elas ainda estão em desenvolvimento. Somente após esta etapa – realizada depois de inúmeros testes que atestem a segurança do imunizante – é que a população brasileira poderá tomá-la. Atualmente, quatro vacinas estão sendo testadas em voluntários no país.
Por causa do texto e da montagem utilizada para ilustrar a publicação, que tem a bandeira da China ao fundo e Doria em primeiro plano, é possível concluir que o texto faz menção à CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo.
Semelhante a esse post também há outro que viralizou no Twitter, sugerindo que a cloroquina seria muito mais segura que a vacina. Isso porque a droga já é “testada, estudada e usada há mais de 50 anos”, enquanto a “vacina da China” existe há “6 meses, não finalizada”. O Comprova tentou contato com os autores de ambas as publicações, mas não obteve retorno até o fechamento desta verificação.
Para verificar as informações relativas à cloroquina e à hidroxicloroquina, procuramos saber quais são os protocolos e as recomendações atuais nos sites da Anvisa e da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) na América do Sul.
Por meio de pesquisas no Google, também chegamos a dois estudos sobre a eficácia dos medicamentos em pacientes com a covid-19: um realizado no Reino Unido e outro, no Brasil. também encontramos várias reportagens que tratam de episódios envolvendo os remédios, publicadas ao longo da pandemia.
Para descobrir o histórico da aplicação de ambas as drogas, realizamos novas buscas, que nos levaram a um artigo publicado na National Center for Biotechnology Information (NCBI) e ao livro “Chemistry of Antibiotics and Related Drugs” (“Química dos antibióticos e medicamentos relacionados”, na tradução livre), de autoria do Mrinal K. Bhattacharjee.
No que diz respeito à vacina – tanto ao processo regulatório, quanto aos atuais estágios de desenvolvimento – também procuramos informações no site oficial da Anvisa e consultamos matérias publicadas na imprensa nacional, além da página dedicada à Coronavac, disponível dentro do site do governo do estado de São Paulo.
Para esclarecer o contexto da obrigatoriedade ou não da vacinação e o uso da cloroquina em território paulista, utilizamos mais uma vez as reportagens publicadas sobre o assunto. Como a mais recente delas ainda era do primeiro semestre, acionamos a Secretaria de Comunicação e a assessoria da Secretaria de Saúde do estado.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 23 de outubro de 2020.
Segundo a OMS, “embora a hidroxicloroquina e a cloroquina sejam produtos licenciados para o tratamento de outras doenças – respectivamente, doenças autoimunes e malária –, não há evidência científica até o momento de que esses medicamentos sejam eficazes e seguros no tratamento da covid-19”. Ao contrário, a entidade lembra que “a maioria das pesquisas até agora sugere que não há benefício e já foram emitidos alertas sobre efeitos colaterais do medicamento”.
No Brasil, a Anvisa “não recomenda o uso indiscriminado desse medicamento, sem a confirmação de que realmente funciona”. A agência também aumentou o controle sobre a venda da medicação, ao exigir que as farmácias retenham uma cópia da receita especial no momento da venda do produto.
A cloroquina começou a ser comumente usada para tratar a malária a partir da década de 1940. Durante as epidemias de SARS e MERS, a cloroquina chegou a ser considerada como uma opção de droga mas, na época, não foram feitos testes para confirmar sua eficácia. Em março deste ano, médicos franceses passaram a defender o uso da cloroquina contra a covid-19 após testes iniciais que, depois, foram criticados e considerados anedóticos. Apesar da falta de comprovação científica, o tratamento foi encampado politicamente pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e, logo em seguida, pelo brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido).
No dia 25 de março, o Ministério da Saúde autorizou o uso da cloroquina para tratar pacientes com casos graves da covid-19. Favorável ao uso do medicamento, o presidente demitiu dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, e nomeou para o cargo o general Eduardo Pazuello, que autorizou o uso precoce da droga em pacientes com sintomas leves da doença, em 20 de maio.
Pouco tempo depois, em 5 de junho, pesquisadores do Recovery, estudo clínico do Reino Unido para encontrar medicamentos contra a covid-19, disseram não haver benefício no uso da hidroxicloroquina. Os resultados foram reformados dez dias depois, quando a autoridade sanitária americana, a Food and Drug Administration (FDA), revogou a autorização emergencial para uso da cloroquina em pacientes com o novo coronavírus porque seus estudos mostraram ser improvável que ele fosse efetivo no tratamento. A FDA também disse que a medicação pode provocar “eventos adversos cardíacos graves e contínuos” e “outros efeitos colaterais sérios”. Depois, em 17 de junho, a OMS retirou a cloroquina do seu estudo clínico Solidariedade, também destinado a descobrir drogas contra a covid-19, por não ter sido capaz de identificar redução no número de óbitos entre os pacientes submetidos ao tratamento.
Em julho, foi publicado o maior estudo brasileiro sobre a eficácia do uso da hidroxicloroquina em pacientes leves e moderados da covid-19. O estudo durou três meses e contou com 665 pessoas, em 55 hospitais. Entre os que lideravam a pesquisa estão os hospitais Albert Einstein, Sírio Libanês e Oswaldo Cruz. A conclusão é que o uso do medicamento, sozinho ou associado com azitromicina, não melhorou a evolução clínica dos pacientes. E ainda destacou dois efeitos adversos: a maior frequência de alterações em exames de eletrocardiograma e a maior recorrência de alterações em exames que mostram lesão hepática.
Atualmente, quatro vacinas estão sendo testadas no Brasil. Juntos, serão 33.720 voluntários; metade recebeu os imunizantes e a outra metade, placebo. Os compostos não estão disponíveis para toda a população, mas para voluntários previamente selecionados. As duas vacinas com mais voluntários, a da Sinovac e a da AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, recrutaram profissionais de saúde que estão atuando no cuidado de pacientes de covid-19 como voluntários.
Para permitir a realização dos testes no Brasil, a Anvisa analisou quatro critérios:
Dados de segurança que o imunizante demonstrou nas etapas anteriores, de testes pré-clínicos (quando ele é aplicado em animais, ainda em laboratório, para atestar sua segurança)
A robustez científica dos estudos, o que inclui a quantidade de voluntários, a faixa etária estudada, a abordagem estatística e os parâmetros que serão usados para determinar se a vacina é eficaz e segura.
As condições técnicas e operacionais do local de fabricação dos compostos
A experiência dos centros de pesquisa e as condições deles de monitorar a execução do estudo, garantindo que os dados sejam rastreáveis e confiáveis.
As propostas de estudo e de registro das vacinas contra o novo coronavírus são analisadas por um comitê com dez especialistas rotativos, composto por farmacêuticos, médicos, biólogos e estatísticos. Eles precisam ter, pelo menos, dez anos de experiência na aprovação de protocolos de estudo ou registro de imunizantes. A Anvisa também pode interromper os estudos no Brasil a qualquer momento caso seja registrado algum evento adverso grave durante os testes.
Caso os resultados dos testes indiquem que a vacina é eficaz contra o vírus, é preciso solicitar o registro à Anvisa, que, novamente, vai avaliar todos os documentos técnicos, incluindo os dados de segurança e eficácia e a qualidade do imunizante. Apenas com o registro da Anvisa é que o imunizante pode ser comercializado e disponibilizado no Brasil.
No último dia 21, o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, afirmou que, até o momento, não houve o pedido de registro de nenhuma vacina contra a covid-19 no Brasil. Ele também afirmou que “não há nenhuma data predefinida para a conclusão de estudos ou para o fornecimento de registro a qualquer uma das quatro vacinas em análise neste momento na Agência”.
No dia 16 de outubro, Doria afirmou que a vacinação será obrigatória em todo o estado, com exceção de pessoas que apresentem alguma restrição indicada por um médico. A expectativa era que a vacinação começasse ainda em dezembro deste ano, no entanto já existe a possibilidade disso acontecer apenas em janeiro por causa do trâmite de aprovação da vacina e de compostos dela por parte da Anvisa.
Três dias depois, a obrigatoriedade da vacina foi negada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A decisão sobre o processo de vacinação, no entanto, cabe ao Ministério da Saúde – que, por sua vez, protagonizou um atrito com o governo federal ao anunciar um compromisso de compra de 46 milhões de doses da CoronaVac.
O Comprova já verificou que, apesar das falas do presidente, Jair Bolsonaro (sem partido) assinou uma lei em fevereiro deste ano que prevê a vacinação compulsória.
No site oficial do governo de São Paulo, a notícia mais recente sobre o uso da cloroquina é de abril deste ano. Ela esclarece que na época o estado tinha recebido cerca de 200 mil comprimidos da cloroquina, que já estavam à disposição para uso. No entanto, deixa claro que, por causa da falta de estudos que comprovem a eficácia do medicamento, o uso precisava ser autorizado pelo paciente. Na época Secretário estadual de saúde, José Henrique Germann afirmou que: “É feito através de um consentimento informado do paciente de que ele aceita as condições de risco que ele pode estar correndo, frente a essa prescrição. Esse termo é assinado pelo médico e pelo paciente, ou por um familiar”.
Em maio, o membro do Centro de Contingência de São Paulo, Carlos Carvalho, afirmou que o uso da cloroquina estava sendo discutido desde março, mas que estudos demonstraram que a cloroquina e a hidroxicloroquina não faziam efeito contra a covid-19 e que poderiam até prejudicar a saúde de pacientes. No entanto, embora o comitê não tenha recomendado o uso, os médicos nunca foram proibidos de receitar o remédio. Ao UOL, ele explicou que “se um médico entender, acreditar em um estudo, explicar isso para a família, [falar sobre] os efeitos colaterais e entrarem em um acordo e quiserem usar, é totalmente permitido”.
Em nota, o governo de São Paulo disse que, em nenhum momento, o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina foi proibido no Estado. “No entanto, em SP, os gestores de saúde deliberaram pela não recomendação do uso da cloroquina/hidroxicloroquina em casos leves, moderados ou graves de covid-19, devido à insuficiência de evidências sobre a eficácia”, explicou, por meio de nota.
Embora seja apenas um remédio, a cloroquina acabou sendo politizada. Protagonizando em lados opostos, o governador de São Paulo, João Doria, declarou, algumas vezes, frases que iam na contramão do que era defendido pelo presidente Jair Bolsonaro. Em abril, por exemplo, ele afirmou que não iria recomendar o uso da cloroquina por meio de um decreto. No mês seguinte, ele disse que não haveria “distribuição indiscriminada” de cloroquina nos postos de saúde no Estado.
Apesar dos posicionamentos, o medicamento nunca foi proibido. Publicações que traziam essa informação incorreta, aliás, já foram verificadas pela agência Lupa e classificadas como falsas. Vale ressaltar também que proibir ou permitir o uso de um medicamento no Brasil é atribuição exclusiva da Anvisa.
Atualmente em sua terceira fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19 ou sobre as políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Quando a publicação trata de medidas de proteção contra o novo coronavírus, a verificação é ainda mais necessária, já que ela pode colocar a vida das pessoas em risco. Os conteúdos verificados aqui podem levar as pessoas a evitarem tomar uma vacina, quando disponível, ou a apostar em um medicamento sem comprovação científica.
As publicações verificadas tiveram 27,6 mil interações no Twitter e 30,7 mil interações no Facebook.
Desde o início da pandemia, o Comprova já mostrou que as vacinas não produzirão danos genéticos, nem terão microchips para rastrear a população. Também mostrou que todos os imunizantes em teste no Brasil foram testados em animais antes dos estudos clínicos em humanos e que a China não evita aplicar os compostos desenvolvidos no país em sua própria população.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Texto produzido pelo Comprova, coalizão de veículos de imprensa para verificar conteúdo viral nas redes sociais. Investigado por: A Gazeta e Jornal do Commercio. Verificado por: O Estado de S. Paulo, Correio, Revista Piauí, UOL, Band News FM, Folha de S. Paulo e Coletivo Niara.