Diante de uma avalanche de informação sobre metaverso, entender como ele nos afeta se tornou imperativo para os negócios e para as nossas vidas. Recentemente, Silvio Meira, professor extraordinário da Cesar School e cientista chefe da TDS Company, publicou o texto “Definindo o Metaverso”. Nesta entrevista, concedida a jornalista Rosário de Pompéia, Sílvio Meira nos convida para um reflexão provocativa sobre o assunto, nos tirando da superficialidade, e fazendo um alerta sobre a importância de um maior conhecimento da sociedade sobre o assunto já que decisões, feitas por algoritmos, devem impactar ainda mais as nossas vidas.
Como podemos definir o metaverso em poucas palavras?
O metaverso é figital por definição, ou seja, as dimensões digitais e sociais se juntam com a dimensão física e criam um ambiente figital, onde tudo acontece. É como se o digital e social encapsulassem e passassem a servir de malha que conecta, relaciona e possibilita as conexões, relacionamentos e interações no espaço figital, incluindo o mundo físico. E é esse universo físico que pode ser estendido, aumentado, modificado ou restringido pelo digital. O metaverso é essa combinação de abstrair e ir para um próximo nível (meta), onde há coisas e agentes, no virtual, que podem afetar o universo concreto… e vice-versa.
Como exemplificar o metaverso?
A abstração inicial sobre metaverso, dada por Neal Stephenson, em Snow Crash, faz com que qualquer experiência atual “de metaverso” pareça pouco. No meu texto, imagino o futebol no metaverso. Dois times, A e B, jogam nos seus estádios, com suas bolas e suas torcidas. As bolas, cada uma num estádio, estão conectadas: um movimento da “bola do estádio A” leva a outro igual da “bola do estádio B”. São bolas ativas. O time A e sua torcida são “metaversados” no estádio do time B e vice-versa. Todo mundo sente que o outro time está ali. A percepção da realidade abstrata tem que ser similar à da realidade concreta. A gente poderia projetar, nos estádios, as torcidas de A e B, que não estão nos estádios, mas cada um em sua casa “assistindo” ao jogo. Mas não na TV: no metaverso. E elas, as torcidas, estariam lá no estádio, perceptivelmente, como torcidas, como pessoas. Eu sei que isso é de “torcer” o cérebro, porque muito longe do atual entendimento da realidade, mas é isso mesmo que deveria acontecer no metaverso… se ele existisse.
No seu texto, você alerta que estamos confundindo metaverso com simulações de experiências virtuais, por exemplo. Essa “confusão” seria por que ainda não conhecemos uma web 3.0?
Existe uma correria muito grande para dizer o que é o metaverso. Se pegou uma coisa completamente básica, que não é nem realidade aumentada e nem uma realidade virtual em terceira dimensão simulada, e está se divulgando como metaverso. Isso aconteceu porque um conjunto de empresas começou a difundir o metaverso como se ele já existisse, para minimizar os impactos que os modelos de negócios existentes em redes sociais, por exemplo, estão sofrendo. Atualmente, esses modelos são baseados em mineração de usuários, vendendo e entregando usuários como produtos ao marketing. Isso está começando a se exaurir em função de mudanças agressivas no espaço regulatório. E a web 3.0 ainda não existe de forma massiva. Mas há experimentos em que produtos e serviços são parcialmente descentralizados, baseados em interface de programação de plataformas, sobre protocolos abertos. Nelas, eu posso participar de forma distribuída, controlando a minha identidade. Essa web 3.0 vai demorar muito para ser massificada. Estamos ainda na fase, que é fantástica, de produzir conteúdo na web, ainda na web 2.0.
Qual tamanho do impacto do metaverso nas nossas vidas e nos negócios?
Se rolar um metaverso ideal, ele criaria uma economia figital completamente funcional, englobando a economia física que se percebe hoje. Os sistemas vão interoperar, ou seja, se conectar e possibilitar relacionamentos e interações entre sistemas, articulando trocas de informação e performances em rede,
articuladas de forma distribuída e descentralizada. Por exemplo, as redes de energia, no Brasil, são orquestradas por um órgão central. Uma das teses do metaverso é que uma parte significativa do que hoje demanda algum tipo de ator que comanda e controla sistemas poderá ser feito de forma descentralizada,
distribuída, orquestrada e articulada por múltiplos agentes em rede. Isso é possível na internet de hoje, mas há graves problemas de protocolos, identidade e segurança. É como se a gente precisasse refundar a rede e as novas fundações possibilitassem fazer um número muito grande de coisas que não são feitas, ou são muito mal feitas, hoje. Parte disso virá com blockchains, que já estão aí, mas ainda funcionam de forma isolada, com gambiarras servindo de pontes entre elas.
O metaverso pode ser um dos caminhos para quebrarmos os poderes dos intermediários e nos devolver o poder da nossa propriedade de dados? É isso que vai habilitar a nossa identidade digital?
Minha identidade numa rede social, hoje, é quase propriedade da rede e não minha. O que se quer, no metaverso, é que cada um tenha direitos universais garantidos sobre sua identidade, privacidade e propriedades figitais e possa limitar o acesso de terceiros sobre as três. É fundamental garantir o controle
pessoal disso porque, se tivermos um metaverso, nossas vidas estarão lá em 3D, em alta resolução e em muitos mais sentidos do que os nossos cinco. Se for no modelo atual, no qual eu participo da rede e quem domina meus dados é um negócio digital, não será bom para cada pessoa em particular e nem para humanidade como um todo.
Como participar do metaverso?
Se queremos que as coisas sejam descentralizadas e distribuídas, vamos ter que participar do processo de construção do metaverso. No mínimo, teremos que ter a capacidade de ler e entender os fundamentos do metaverso para ter opiniões articuladas sobre o ambiente e seus problemas e oportunidades. Seria bom também compreender como os algoritmos estão sendo usados para construir o metaverso, o que possibilitam, limitam e restringem. Sem conhecimento, você simplesmente será levado por um tsunami de algoritmos. O ideal seria entender os algoritmos em si e ter um grande número de pessoas escrevendo seu código, coletivamente e independente de grandes organizações digitais com fins lucrativos.
No seu texto, você fala sobre o risco do metaverso se tornar uma utopia. Como evitar isso?
Uma parcela significativa da população precisa adquirir capacidades digitais de, no mínimo, entender quais são as regras para não se sujeitar àquelas que sejam danosas para cada um, seus grupos, comunidades, humanidade. Se a gente não conseguir fazer isso, teremos uma geração 3.0 da web com grandes negócios
digitais controlando, no metaverso, boa parte ou a totalidade do meu e do seu registro de vida. E certamente haverá decisões sobre a vida, e talvez sobre a continuidade dela- sem que as pessoas tenham a menor ideia ou domínio do que e porque está acontecendo. Alguma hora, num cenário de metaverso, as
dimensões digital e social serão tão relevantes para a vida das pessoas que, talvez, (re)definam o que é o espaço físico. Para as pessoas, haverá duas alternativas: programe ou seja programado.