Da Estadão Conteúdo
O empresário Thiago Brennand Fernandes Vieira, que teve a prisão decretada pela Justiça após agredir uma modelo em São Paulo, tentou intimidar uma integrante do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que deu parecer pelo arquivamento de uma denúncia dele contra uma mulher por suposta extorsão e denunciação caluniosa. Em e-mail enviado à 2ª Vara Criminal, ele intimidou uma promotora alegando que tomaria medidas junto aos órgãos da Corregedoria, caso não desse andamento à denúncia apresentada por ele.
O caso se passou em junho deste ano, antes de Brennand ter sido denunciado pela agressão à modelo Helena Gomes, na academia de um shopping da capital. O empresário entrou com pedido de abertura de ação criminal contra a mulher, que o havia acusado de crime sexual, mas não teria apresentado provas. A promotora deu parecer pelo arquivamento do pedido.
Contrariando a regra de que as manifestações devem acontecer nos autos do processo, no dia 21 de junho, ele enviou mensagem para o e-mail da promotora pública Daniela da Silveira Fávaro contestando o parecer pelo arquivamento. A reportagem teve acesso às mensagens.
"V.Exa negou por duas vezes o prosseguimento de inquérito policial, com duras e robustas provas, atacando frontalmente todo o sistema judiciário brasileiro. É dizer: se a mim me for negado o direito à continuidade do inquérito, e de produção de provas, uma vez avaliadas as provas produzidas naquele exíguo espaço de tempo do apuratório em tela, qual outro inquérito policial merece prosperar?", indaga.
Em outro ponto, ele afirma que a promotora "maculou" sua honra. "Disse que a versão da vítima, no caso eu, não condizia ‘minimamente’ com a verdade e ainda me classificou como moleque, no parágrafo final, aduzindo que eu deveria resolver minhas pendengas como adulto, sem desperdiçar o erário através do mau uso do Poder Judiciário."
Dizendo-se "mestre e doutor" pela Universidade de Oxford e insistindo que foi "vítima" de uma criminosa que o acusou de crime sexual, ele afirma que "infelizmente, caso continue a prosperar esta crassa injustiça que V.Exa vem promovendo, irei, pela primeira vez na vida, aos órgãos da corregenda (sic)".
Ele também acusou a juíza que acatou o parecer do MP de ter agido "de maneira açodada". Ao final, ironizou, dizendo que o caso ficaria para a história. "Foi o maior absurdo jurídico que já presenciei. E esta opinião se estende por todos os meus amigos e advogados." Em outro e-mail, ele já havia reclamado, de forma ofensiva, por um erro na grafia do seu nome.
A promotora Daniela Fávaro juntou o e-mail encaminhado por Brennand ao processo e anotou que "a convicção desta Promotora de Justiça não será modificada em decorrência de ameaça de ataque à sua independência funcional, bem como que eventual desarquivamento somente seria possível com a apresentação de novas provas, aptas a demonstrar a ocorrência dos crimes que se processam mediante ação penal pública".
Em nota, o MPSP informou que, "como consta nos autos, se manifestou pelo arquivamento do inquérito policial em virtude da inexistência de qualquer prova que pudesse caracterizar o delito de extorsão contra a alegada vítima, o senhor Thiago Brennand."
Na decisão em que decretou a prisão preventiva do empresário pela agressão à modelo, a juíza Erika Soares de Azevedo Mascarenhas, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, citou as ameaças de Brennand à promotora.
A juíza escreveu que "a ousada postura adotada pelo réu evidencia sua predisposição a coagir terceiros e a interferir no regular trâmite da ação penal, o que reforça a necessidade de se decretar sua prisão preventiva".
Nome de Thiago Brennand foi incluído na lista da Interpol
A Justiça de São Paulo determinou a inclusão do nome de Thiago Brennand Fernandes Vieira na lista de procurados da Interpol, organização internacional de polícia criminal. O brasileiro é considerado foragido desde que teve a prisão preventiva decretada, no dia 27 de setembro, devido à agressão à modelo.
Antes de ser denunciado, ele viajou para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e não atendeu à determinação da Justiça para que retornasse ao Brasil, a fim de responder pelas acusações que pesam contra ele. Brennand é acusado também de crimes sexuais. Ao menos dez mulheres o denunciaram por ameaças, cárcere privado e estupros. Desde o dia 26 de setembro, as vítimas prestam depoimentos ao MPSP.
Uma das mulheres já ouvidas acusou Brennand de tê-la estuprado, mantido em cárcere privado e obrigado a se submeter a uma sessão de tatuagem, em que o monograma com as iniciais dele foi gravado em seu corpo.
A Interpol tem 195 países membros que compartilham o acesso a dados sobre crimes e criminosos. As polícias estão conectadas através de um sistema de comunicação, conhecido como difusão vermelha, e têm acordo de suporte técnico e operacional inclusive para efetuar prisões. Os Emirados Árabes não estão na lista de países membros da Interpol.
Em março de 2019, o Brasil assinou um tratado de extradição com os Emirados Árabes. O tratado prevê a extradição instrutória, quando a pessoa processada criminalmente ainda não foi julgada, e a extradição executória, após sentença condenatória.
Embora dependa de trâmites legais para ganhar força de lei, a Justiça tem entendido que o protocolo de intenções formalizado entre os dois países já permite esse tipo de cooperação.
Sobre os depoimentos das supostas vítimas de Brennand, o MPSP informou que o caso está em sigilo. A reportagem entrou em contato com o escritório que defende Thiago Brennand, mas a defesa informou que não se manifesta.