Um esqueleto humano, possivelmente do século 16, de origem judaica, atraiu curiosos ao cruzamento da Rua Real da Torre com a Avenida Caxangá, na manhã desta quinta-feira (18). A ossada foi identificada por arqueólogos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que acompanham a obra de construção do Túnel da Abolição, na Madalena, Zona Oeste do Recife.
Desprovido de restos de vestimenta (fivelas, botões, joias ou distintivos) e com os braços estirados ao longo do corpo, o esqueleto encontra-se no subsolo, a 1,55 metro da atual pavimentação. Levando em conta o nível mais antigo da rua (antes de aterros recentes), o sepultamento está 78 centímetros abaixo do piso. As informações ajudaram a identificar a origem israelita da ossada.
“O corpo, na religião judaica, é enterrado sem roupas, só envolto em tecido natural de linho ou algodão, numa cova com cerca de 80 centímetros de profundidade”, relata o coordenador do Laboratório de Arqueologia da UFPE, Marcos Albuquerque. Como a obra do túnel não destruirá o sepultamento, os pesquisadores optaram por documentar o achado e não tirar o esqueleto do lugar.
Descoberto quarta (16), o esqueleto está parcialmente preservado, com a cabeça direcionada para a Avenida Caxangá. O estágio de decomposição dos ossos é avançado, pela presença de água salgada na região, explica o pesquisador.
O achado fica próximo de uma área onde será instalada escada de acesso ao futuro túnel e junto de um cano da Compesa que será seccionado em função da obra. “Levantamento topográfico descartou cortes no local do sepultamento, mas se houver alguma mudança, vamos retirar o esqueleto e levar para o Cemitério Judaico do Barro”, diz ele.
Dependendo do interesse da comunidade israelita, acrescenta o professor, poderia ser colocada uma placa indicando que ali há um sepultamento judaico do início da colonização. “Não temos como afirmar com certeza de que século é o esqueleto, porque não fizemos datação dos ossos”, declara. A presença de judeus e cristãos-novos (convertidos) no Recife remonta ao século 16 e início do 17.
Marcos Albuquerque lembra que, durante a ocupação holandesa no Nordeste do Brasil (1630-1654) havia um cemitério judaico no atual bairro dos Coelhos. “É possível que o cemitério ainda não existisse, quando o sepultamento foi realizado.”
A equipe da UFPE faz o acompanhamento arqueológico das obras desde abril deste ano. Até esta quinta, também tinha localizado antigos trilhos de duas linhas de bonde (a rede da Caxangá e outra da Rua Real da Torre para o Prado) e dezenas de fragmentos de cachimbo português, louça, concha, moeda de cobre do Império e garrafas de grês dos séculos 19 (a maioria) e 20.
O corpo, na religião judaica, é enterrado sem roupas, só envolto em tecido natural de linho ou algodão, numa cova com cerca de 80 centímetros de profundidade
Marcos Albuquerque, coordenador do Laboratório de Arqueologia da UFPE
“As conchas podem ter duas origens: mangue, porque a região tinha grande quantidade de alagados, e o processo intenso de valorização da região no século 19, quando os engenhos foram loteados”, informa. O esqueleto está perto do Museu da Abolição, área do Engenho Madalena.
Todo o material resgatado, destaca Marcos Albuquerque, auxilia a entender as relações comerciais do Brasil com outros países, como França e Inglaterra. Enquanto os arqueólogos trabalhavam, curiosos circundavam o local, para ver o esqueleto.
“Tinha um monte de gente olhando e eu parei também, estou vendo a tíbia do esqueleto. Moro na Madalena, área de engenhos de açúcar, é bom conhecer nossa história”, comenta o consultor Alexandre Lira. “Vim olhar as obras do túnel, me disseram que tinha um esqueleto e me aproximei para ver, se descobrirem mais coisas será ótimo”, diz Ademir Silva, da Iputinga. “O vigia do prédio contou do esqueleto e desci para olhar. Estou vendo um trilho de bonde, meu pai andava no bonde, e os tipos diferentes de solo”, afirma Paulo Vieira, morador da Madalena.