Mais de sete anos de estudos e cerca de mil trabalhos publicados no mundo em torno de um gene conhecido por ser fortemente relacionado à obesidade podem não ter trazido ainda frutos para o combate ao problema por um motivo simples: eles estavam olhando para o gene errado. O desafio foi proposto por um novo trabalho liderado por um brasileiro radicado nos EUA. O estudo mostra que mutações no badalado “gene gorducho” (FTO), conhecido como o mais forte elo genético com a obesidade, têm impacto na produção de proteínas de outro gene, localizado a longa distância dele no genoma, o IRX3.
As mutações no FTO funcionam como um interruptor da atividade do IRX3, apontam os autores na pesquisa, publicada ontem na revista científica Nature. Apesar de estarem longe um do outro, essa interferência é possível porque as fitas de DNA não são lineares mas se enovelam dentro das células. “Distâncias enormes podem ser desprezíveis. Com as dobras, um gene acabou ficando do lado do outro, e a interferência ocorre pelo contato”, afirma o geneticista Marcelo Nóbrega, da Universidade de Chicago, principal autor do estudo.
Ao nocautearem a expressão desse gene em camundongos, os pesquisadores observaram que, mesmo com uma dieta gordurosa e sem atividade física, eles ficaram 25% a 30% mais magros do que os que tiveram a mesma alimentação, mas sem alteração no IRX3. “Os camundongos com o nocaute tiveram metabolismo muito mais rápido. A explicação que encontramos é que o cérebro ativou o metabolismo”, diz Nóbrega.
Segundo o pesquisador, mutações no IRX3, no FTO e em mais de 70 genes relacionados à obesidade em geral se expressam mais no cérebro de pessoas que têm obesidade. “No final das contas, é o cérebro que regula a base genética da obesidade, não o tecido adiposo”, diz. Ele lembra que em condições normais, pessoas com mutações no FTO têm efeitos modestos. “Duas em cada três têm uma cópia das mutações. Uma em cada seis tem as duas cópias. Mesmo assim, quem as tem é somente cerca de 3 quilos mais gordo do que quem não tem.”.
Tratamento. A pesquisa, no entanto, sugere que o potencial de tratamento é maior. “Ao nocautearmos o gene que tem a expressão alterada por essas mutações, os camundongos perderam um terço do peso. O potencial do gene em regular o peso é muito maior”, afirma Nóbrega. O pesquisador admite que a descoberta ainda não tem aplicação direta no combate à obesidade. Para ele, o principal ganho é mostrar um novo caminho de estudos. “Centenas de laboratórios interessados em como FTO regula o metabolismo estavam provavelmente estudando o gene errado”, diz.