Com um balde de plástico, uma vassoura, mangueiras e um motor encontrado no lixo, o estudante Carlos Daniel da Silva, 19 anos, desenvolveu uma máquina para aproveitar água da chuva e usá-la na limpeza da escola onde estudava. Samuel Simões, 19, juntou-se a dois amigos para criar uma rede de sensores de estacionamento a fim de identificar a disponibilidade de vagas usando um aplicativo. Juliet Sousa, 29, está pesquisando a formação do Semiárido brasileiro para achar meios de torná-lo mais sustentável. Em diferentes etapas da educação, os três jovens encontraram na iniciação científica o gosto pela pesquisa. E a partir da ciência eles têm percebido transformações que vão além das descobertas realizadas nas bancadas dos laboratórios. Elas estão impactando nas suas vidas.
Daniel nunca tinha saído de Goiana, na Região Metropolitana do Recife. Até que o experimento criado por ele – quando estava no 2º ano do ensino médio na Escola de Referência Augusto Gondim, juntamente ao colega Giovane Albino, 18 – foi um dos escolhidos para participar da Feira Ciência Jovem, na capital pernambucana, em novembro de 2017. Conquistaram o 1º lugar.
De lá, levaram a máquina a uma feira latino-americana de ciências no Chile, em julho do ano passado. Em setembro, o destino será os Emirados Árabes, desta vez para uma feira mundial. Para ajudá-lo nas pesquisas, Daniel ganhou, por um ano, uma bolsa de iniciação científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
“Trabalho desde os 7 anos. Minha mãe é empregada doméstica e meu pai é autônomo, mas está sem trabalhar desde 2015, quando sofreu um acidente de carro. Pensei em parar de estudar nessa época para só trabalhar. Só que consegui conciliar os dois. Até hoje capino mato, pinto paredes, carrego feiras. Mas através dos estudos sei que vou ter um futuro diferente do que eu imaginava”, comenta Daniel, prestes a começar o bacharelado em agroindústria na Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
“A ciência mudou minha vida. Venho de uma comunidade humilde. Tenho colegas que se perderam no mundo das drogas ou morreram porque não tiveram a mesma oportunidade que eu”, diz o jovem de Goiana. Tido pelos amigos da escola como um doido por causa das ideias que propunha, ele passou a influenciar os estudantes depois das conquistas nas feiras de ciências. Virou até palestrante, com testemunho de motivação para outros jovens.
“A partir da experiência de Daniel e do reconhecimento do trabalho dele, outros alunos começaram a se interessar pela iniciação científica. Foram criados projetos, como um repelente de cravo e canela para combater as saúvas, muito comuns na escola. Outro foi um líquido para tratar verrugas à base de aveloz”, conta a professora e auxiliar de gestão Viviane Menezes, responsável por descobrir (e incentivar) o talento de Daniel.
Para Juliet, a mudança ocorreu em um intervalo de 11 anos. De concluinte do ensino médio, na cidade de Ribeirão, Zona da Mata pernambucana, aos 18 anos, para cursar agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no Recife, onde fez também mestrado e agora concluirá, em três meses, o doutorado. Filha de uma costureira e um operador de máquinas, conheceu a iniciação científica no 3º período da graduação.
“Nunca tinha feito pesquisa. Me encantei. Sempre fui curiosa e acho que a curiosidade é um tempero a mais na ciência. Fiz a graduação, consegui o mestrado e depois o doutorado. Começou como um sonho e a cada degrau, se torna mais realidade. É fascinante. Não esperava chegar tão longe. Às vezes a ficha nem cai e a gente nem tem noção de quão orgulhosos nossos pais ficam. Boa parte da população brasileira não tem acesso a educação nem a ciência. E se for pobre e do interior, as chances diminuem ainda mais”, destaca a doutoranda, bolsista da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe).
“É possível fazer ciência diante de todas as complicações impostas. Mas, infelizmente, não há como fazer sem recursos. Precisamos de subsídios, de bolsas. Quem faz pesquisa está preocupado com os cortes anunciados pelo governo”, afirma Juliet. “O conhecimento que eu estou gerando aqui na minha pesquisa de doutorado pode ser utilizado na África, por exemplo. Temos que desmistificar e mostrar à sociedade que a ciência não é algo distante. Cientistas não são pessoas tão distantes, às vezes eles podem ser aquela vizinha de Ribeirão.”
Samuel está concluindo o curso técnico em eletrônica no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE). Fez paralelamente ao ensino médio, encerrado no fim de 2018. Também é aluno do 1º período de engenharia da computação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Começou a iniciação científica a convite de um professor.
Morador do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, acorda às 4h e sai uma hora depois, de ônibus. A rotina de estudos acaba por volta das 17h, quando retorna para a casa onde vive com a avó. “É cansativo, o trânsito é incerto, mas vale a pena. A rotina é cheia, mas o conhecimento paga”, garante o rapaz.
A pesquisa está sendo feita com os colegas Gabriel Oliveira, 18, e Ian Karlo Torres, 18. “A iniciação científica me ajudou a escolher quais caminhos eu queria seguir na universidade, além de dar uma base boa para graduação. É uma experiência que só soma”, destaca Samuel.
Ele está preocupado com o contingenciamento de recursos nos institutos e universidades federais e com menos bolsas para pesquisa. “Sem verbas não vamos ter como desenvolver pesquisas. Alguns cortes foram feitos de acordo com a relevância dos cursos, mas não existe isso. Toda pesquisa tem sua importância e sua contribuição para a sociedade”, enfatiza Samuel.
“Mesmo sendo pequenas, feitas com alunos de curso técnico, são contribuições que têm seu valor. Fora que as possibilidades de quem faz pesquisa ainda na escola são imensas. É uma oportunidade boa para conhecer novas áreas e entender como funciona, de certa forma, a vida acadêmica”, atesta Samuel.