Não apenas o caso do advogado e músico Davi Lima Santiago Filho, 37 anos, que morreu na última terça-feira ao esbarrar num fio que estava desencapado havia mais de 20 dias, na Avenida Visconde de Jequitinhonha, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, será investigado na esfera criminal. Diante de toda repercussão do óbito, o chefe da Polícia Civil do Estado, Osvaldo Morais, anunciou ontem, com grande atraso, que vai mapear as 31 mortes por choque em rede elétrica, em vias públicas, levantadas na fiscalização anual de 2012 da Agência Reguladora de Pernambuco (Arpe) e abrirá um inquérito para cada ocorrência, para identificar quais óbitos são passíveis de responsabilização penal por homicídio culposo. O mesmo será feito em relação a mortes registradas este ano. O levantamento da Arpe foi publicado com exclusividade na sexta-feira pelo Jornal do Commercio.
De acordo com Morais, alguns casos (não sabe quantos) já estão sendo investigados pelas delegacias dos bairros e municípios onde ocorreram. A Secretaria de Defesa Social (SDS) vai solicitar à Arpe e à Companhia Energética de Pernambuco (Celpe) detalhes sobre as mortes para fazer as devidas apurações. “Vamos aproveitar esse momento e fazer uma coletânea de todos os casos com morte para averiguar. Vamos levantar quantos casos já têm inquérito e instaurar em todos os outros, independentemente das datas”, enfatizou. Segundo ele, nem todos os episódios investigados resultarão em responsabilização criminal. “A apuração servirá para determinar isso”, lembrou.
A Arpe, delegada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para realizar uma fiscalização especial sobre a morte de Davi, solicitou ontem à concessionária o número de mortes na rede elétrica registradas este ano. A Celpe emitiu uma determinação interna impedindo que qualquer dado fosse repassado. Na próxima segunda-feira, o coordenador de Energia da Arpe, Hamilton Lins, enviará ofício à empresa cobrando a divulgação das informações – que são públicas. A Celpe terá prazo de cinco dias para repassá-las.
A Celpe esclareceu, em nota, que os 31 óbitos ocorreram no período de um ano, mas em 2011. Conforme o comunicado, o relatório é que foi publicado em 2012. “Desse total, 10 foram motivados pela prática irregular de gambiarras. Outras oito ocorrências estão relacionadas ao contato acidental de operários de obras de construção civil irregulares, que não observaram a distância mínima de segurança da fiação elétrica”, diz. “As ocorrências foram registradas nos municípios do Recife, Jaboatão dos Guararapes, São Joaquim do Monte, Manari, Paulista, Custódia, Passira, Vitória de Santo Antão, São Caetano, Granito, Moreno, Olinda, Petrolina e Caruaru”, acrescenta.
Hamilton Lins reforçou que nem todas as mortes ocorreram por negligência da Celpe. Davi morreu ao topar num fio que estava desencapado havia cerca de três semanas. Eles já teriam avisado sobre o problema à concessionária, que nada fez. Os reparos só aconteceram horas após a morte do advogado, sepultado anteontem no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, em meio a músicas e indignação. “Às vezes, a morte é provocada por terceiros, por alguém que está empinando papagaio, que está no telhado de casa ou que vai furtar fios. Mas também se dá pelo serviço inadequado de manutenção”, salientou.
As 31 mortes renderam à Celpe multa de R$ 3,1 milhões aplicada pela Arpe. A penalização é apelável na segunda instância. Já a fiscalização especial aberta após pedido da Aneel pode impor à concessionária pernambucana uma multa de até 2% de seu faturamento líquido anual, que é de R$ 3 bilhões, caso fique comprovado que houve negligência em relação à manutenção da fiação elétrica na Avenida Visconde de Jequitinhonha.
A Aneel, órgão federal responsável pela concessão, delegou à Arpe autorização especial para apurar a morte de Davi. A Arpe tem 30 dias para concluir a fiscalização e encaminhar relatório à Aneel e à Celpe, que deve se defender das acusações formalmente. A agência pernambucana solicitou ontem à empresa de energia um relatório do acidente, que equipe atendeu o chamado e quais os protocolos de chamados anteriores sobre o problema da fiação exposta.
Do ponto de vista cível, a responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de a Celpe ter sido negligente ou não. A Celpe foi condenada, em sentença de 7 de junho de 2011, assinada pela juíza Karina Pinheiro D’Almeida Lins, da 23ª Vara Cível da Capital, pela morte de Marcelo Gomes da Silva, que sofreu um choque elétrico causado por fios da empresa, em 14 de maio de 2005, na Rua José Patrício, em Zumbi do Pacheco, Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. A ação contra a concessionária foi impetrada pelo pai da vítima, Gilson Gomes da Silva. A indenização foi fixada em R$ 250 mil.
A família de Davi já deu a entender que processará a empresa pela tragédia. Marcone Barreto, primo da vítima e representante dos parentes, foi incisivo ao afirmar a omissão da Celpe e ao enfatizar que a morte não foi um acidente.