O golpe é “batido”, “manjado”, mas continua colecionando vítimas. Receber uma ligação telefônica em que uma pessoa anuncia o sequestro de um ente querido ainda é motivo de desespero para muita gente. Transtornos que podem ser evitados se certas orientações da polícia forem observadas. Na noite da última segunda-feira, no bairro da Tamarineira, Zona Norte do Recife, a modalidade criminosa motivou mais que um simples desfalque financeiro: terminou com a morte da médica Maria Tereza Wavrik Neves, de 70 anos. Ela foi atropelada por um ônibus enquanto, atormentada, tentava atender às exigências dos bandidos.
Por volta das 21h, a médica recebeu a ligação em que uma pessoa dizia estar de posse de sua neta e de seu genro, e que pretendia matar os dois. Para “libertá-los”, pediu para que ela fizesse recargas no valor de R$ 100 em quatro números de telefone, todos com o prefixo 021, do Rio de Janeiro.
Desesperada, Tereza foi até uma loja de conveniência localizada em um posto de combustível na esquina das Avenidas Norte e Professor José dos Anjos. Agitada e com o celular no ouvido, foi alertada por clientes e funcionários do estabelecimento que se tratava de um golpe e que ela deveria desligar o telefone.
Maria Tereza não ouviu os avisos e tentou ir para outro estabelecimento, do lado oposto da Avenida Norte, por orientação dos criminosos, que perceberam outras pessoas tentando ajudá-la. Foi quando um ônibus da linha Morro da Conceição, da empresa Globo, a atingiu em cheio, arrastando-a por 30 metros. Maria Tereza Neves faleceu no local.
Em que pese o desespero de receber a notícia do suposto sequestro de um parente, a polícia orienta as pessoas observar algumas particularidades que caracterizam o golpe. “As ligações geralmente têm prefixos de fora do Estado ou são de números privados. O sotaque das pessoas que ligam, na maioria das vezes, também é de outra região”, explica Ramon Teixeira.
Ramon orienta a pessoa a desligar imediatamente o telefone e entrar em contato com o parente em questão. “Também é preciso manter a calma e jamais passar informações pessoais, que podem ser usadas contra a vítima”, completa. Na era das redes sociais, o policial faz um lembrete importante. “É preciso evitar fazer check-ins (marcação de localização) dos lugares onde a pessoa está”.
A Secretaria de Defesa Social (SDS) afirma que não tem como computar de forma específica as ocorrências relativas ao golpe do falso sequestro. A subnotificação, inclusive, é um dos grandes entraves às investigações da modalidade criminosa no Estado. “O número de ocorrências certamente é bem maior do que as que chegam para a polícia. Por isso não temos um controle estatístico adequado”, explica o delegado.
Na manhã de ontem, na sede do Instituto de Medicina Legal (IML), no bairro de Santo Amaro, área central do Recife, a família de Maria Tereza não quis falar com a imprensa. O corpo da médica foi sepultado no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, no Grande Recife, no final da tarde de ontem.
Embora a Polícia Civil ainda não tenha confirmado, a tendência é que o caso seja investigado pela Delegacia de Delitos de Trânsito, e não como um caso de extorsão mediante sequestro. O motorista do coletivo não fugiu do local e prestou todos os esclarecimentos à Polícia ainda na noite do atropelamento.
Segundo a primeira funcionária ouvida pela reportagem, a médica era uma pessoa tranquila, educada e que tratava bem todos no estabelecimento. “Ela sempre vinha aqui para comprar cigarros, todo mundo a conhecia. Era uma ótima pessoa”. Citopatologista de formação, Maria Tereza Wavrik Neves também prestava serviços ao Hospital Naval do Recife e a uma clínica de exames médicos para candidatos à habilitação no Detran.