A decisão da Prefeitura do Recife de armar a Guarda Municipal, após quatro anos resistindo fortemente à ideia, reacende uma discussão sempre polêmica. Com a explosão da violência, colocar agentes municipais armados nas ruas é a saída? Desarmamentista convicto, o secretário de Segurança Urbana, Murilo Cavalcanti, diz que as pressões crescentes da corporação e a existência da Lei Federal 13.022, que autoriza a prática desde 2014, forçam os gestores a enfrentar o tema. No Brasil, 499 municípios já adotaram a guarda armada. Em Pernambuco, apenas duas cidades: Petrolina e Cabo de Santo Agostinho. A saída que está sendo costurada para a capital, uma vez que a decisão política já foi tomada, é ir com calma.
A proposta é habilitar um número mínimo de agentes. De um efetivo de 1.747 guardas que atuam no Recife, apenas um grupo de 100 será treinado para andar armado. O processo também será demorado. A previsão do secretário é que, só no próximo ano, os agentes estarão prontos para atuar. A própria lei que autoriza o uso do armamento já prevê uma série de exigências que precisam ser cumpridas: criação de ouvidoria, capacitação, treinamento de tiro, acompanhamento da Polícia Federal. No caso do Recife, Murilo Cavalcanti pretende ampliar os mecanismos de controle para evitar possíveis excessos.
Uma das ideias é criar uma espécie de carteira coletiva que pontuaria determinadas infrações, como usar a arma embriagado ou se envolver em conflitos familiares. Se o guarda for flagrado numa dessas situações, essa pontuação seria compartilhada com todo o efetivo armado, como forma de estimular uma fiscalização mútua. “O controle social sobre a atividade da guarda armada será uma prioridade da gestão”, reforça o secretário.
Embora discorde do prazo previsto pela prefeitura, o presidente do Sindiguardas, sindicato que representa a categoria, Ewerson Miranda, diz que começar com um contingente pequeno é uma boa estratégia. “Já temos um grupamento tático que atua no Centro do Recife, em conjunto com o 16° BPM. Poderemos treinar esse grupo para se adequar às exigências previstas na lei”, afirma. Nas contas do representante da categoria, os guardas já poderiam circular armados pelas ruas do Recife dentro de alguns meses.
A rigor, desde 2003, com o Estatuto do Desarmamento, já havia uma previsão legal para armar os guardas municipais. Mas, na avaliação do promotor de Direitos Humanos da Capital, Westey Conde, a questão central não é de legalidade. Mas de conveniência ou necessidade. “É disso que precisamos? A Guarda Municipal não está desenhada constitucionalmente como um órgão de segurança pública. No momento em que discutimos a desmilitarização das polícias, militarizar mais uma instituição me parece um caminho inverso à cultura de paz que queremos para a nossa sociedade”, avalia.
O promotor traz mais uma reflexão: “Nesses dez anos em que já havia previsão legal para uso de armamento, quais foram os prejuízos sofridos pela Guarda Municipal por não andar armada? Além disso, essa não é uma demanda da sociedade, mas de uma corporação. Não vejo a população pedindo para a guarda se armar. O que o cidadão cobra é mais policiamento e segurança.”
Estudioso da temática da violência, sobretudo no Nordeste, o cientista político e professor da Universidade Federal de Campina Grande José Maria Nóbrega reconhece que a explosão da violência tende a aumentar, cada vez mais, a pressão para armar as guardas municipais. Mas ele insiste que o debate é equivocado. “Os números crescentes da criminalidade vão sempre ser usados como argumento. Mas não será um contraponto ao avanço da violência.”
Segundo o pesquisador, o Nordeste responde por 40% do número de homicídios no Brasil. Ele chama atenção ao fato da segurança ser um tema muito sensível às pressões políticas. “A sociedade quer respostas rápidas. Mas, num País em que o número de assassinatos é tão alto, armar mais agentes públicos não é um despositivo para melhorar a segurança”, defende.