Foi do desejo de eternizar a resistência daqueles que vivem sob ameaça da violência recifense que Marlon Diego, agora jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), produziu o fotolivro "Mário, presente!" relatando o que ficou do adolescente Mário Andrade de Lima, de 14 anos, assassinado por um ex-sargento da Polícia Militar reformado, após sua bicicleta colidir com a motocicleta do militar, no Ibura, na Zona Sul do Recife.
Por ter experienciado a vida na periferia de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife, Marlon sabe bem a realidade desse espaço. Sabe também que somente o fato de ser negro e periférico é sinônimo de brigar de frente contra um cenário de marginalização. Foi durante uma pauta no último estágio da faculdade que a história de Mário se confundiu com a do fotógrafo. "Por vezes me vi em Mário, sonhando com uma vida mais bacana, com a família despreocupada sobre dinheiro, moradia...", lembra.
A história do assassinato do jovem já era sabida, mas após o contato profissional com Joelma, mãe de Mário, a escolha do tema do TCC, trabalho de conclusão de curso, foi confirmada. "Conheci o trabalho do português João Pina no seu livro "Condor", e o da espanhola Laia Abril, com o fotolivro "The Epilogue", além de e fotógrafos nacionais, como Gabi Di Bella e Gui Christ, esses com o fotolivro "Marrocos". Todos eles denunciam algo, tratam de assuntos delicados, falam de perdas", bem como a ideia de Marlon.
Marlon conta que a força dos olhares muitas vezes falou mais do que as palavras. "Por vezes foi muito 'estranho' e preocupante conversar com os amigos. Alguns não têm noção da gravidade do assunto, outros já estão habituados a falar sobre a violência dentro do bairro e nos arredores da região. Foi difícil perguntar sobre o que eles achavam do que tinha acontecido com Mário e receber uma resposta como 'É triste, né? A gente sente falta'. Não há tanta reflexão, mas também não acho que vale de algo cobrar essa consciência", pontua o jornalista. Ele defende que é preciso diálogo, apresentação dos dados da violência, políticas públicas, segurança pública e o real cenário em que as comunidades fazem parte.
Já na família de Mário, sinais de consciência e resistência. A mãe aceitou de imediato participar do projeto, abrindo portas e compartilhando histórias. Marlon conta que ela se segura muito para não transparecer tristeza diante das filhas, uma de seis e outra de oito anos. A militância da mulher em busca de justiça faz com que ela não se cale. Atualmente, o ex-militar, aguarda o julgamento. "Ela é uma mulher muito forte, e com convicção de que aquilo é o que ela mais deseja", afirma o jornalista.
Como resultado, a certeza que o fotolivro fez valer os quatro anos de graduação: "Tinha vida ali. Não é só uma manchete de mais um morto na favela. É violência contra quem não pode se defender desde o nascimento", finaliza.