A Igreja Católica, com raras exceções, celebra seus santos no dia do aniversário de morte dos religiosos. Dom Helder Camara, que partiu em 27 de agosto de 1999, ainda está trilhando o caminho da canonização, mas a data de falecimento do arcebispo emérito de Olinda e Recife é sempre um motivo para a comunidade cristã pernambucana recordar seus ensinamentos. E se a proposta é colher os frutos que ele semeou pelo mundo, é possível encontrá-los no sorriso franco, no abraço sincero e nos gestos fraternos registrados nas fotografias reunidas em livro para contar a história do homem conhecido como o Dom da Paz.
Com mais de 150 imagens, O Santo Revelado – Fotobiografia Dom Helder Camara será lançado na próxima quarta-feira (28), às 19h, no Palácio dos Manguinhos, localizado na Avenida Rui Barbosa, 409, nas Graças, bairro da Zona Norte do Recife. A publicação, em homenagem aos 20 anos de morte e aos 110 anos de nascimento do arcebispo emérito, também traz xilogravura, cordel e desenhos para narrar a vida de Helder Pessoa Camara, o menino que nasceu em 7 de fevereiro de 1909 na cidade de Fortaleza (CE), conduziu a Arquidiocese de Olinda e Recife de 1964 a 1985 e morreu na capital pernambucana aos 90 anos de idade.
“Não segui a ordem cronológica ao organizar o livro de dom Helder, como fiz na fotobiografia de Chico Buarque de Holanda, porque a história dele não precisa ser contada de forma linear”, afirma o designer pernambucano Augusto Lins Soares. O Santo Revelado, projeto conjunto do Instituto Dom Helder Camara (Idhec) com a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), está dividido em três blocos – família e mundo, juventude e afeto, celebração e cidadania – com fotos coloridas e em preto e branco de autores diversos.
Augusto Lins Soares garimpou uma infinidade de fotos do acervo mantido pelo Instituto Dom Helder Camara (Idhec) para produzir a obra. “O material do Idhec foi digitalizado pela Cepe e isso facilitou meu trabalho, levei quatro meses na seleção das imagens”, comenta o organizador da publicação. Ao explorar o arquivo ele encontrou preciosidades, como o retrato de dom Helder abraçado a uma criança num registro de Alcir Lacerda em 1967.
Com a mesma alegria ele abraça pedintes que diariamente batiam à porta da casa onde vivia atrás da Igreja das Fronteiras, na Boa Vista; o Papa João Paulo II na visita do pontífice ao Recife em 1980; e o arcebispo anglicano Desmond Tutu, vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1984 pelo combate ao apartheid na África do Sul.
São imagens que captam uma das grandes características de dom Helder, tratar a todos de forma igual, destaca o diretor-executivo do Idhec, Antônio Carlos Maranhão de Aguiar. “Com a fidelidade que ele tinha a Jesus Cristo, não distinguia ninguém. No discurso de posse na Arquidiocese de Olinda e Recife ele disse que o Palácio (dos Manguinhos) e o coração estariam abertos a todos e sendo ele um discípulo de Jesus não poderia fazer exclusões, especialmente para os pobres. Dom Helder era um senhor que recebia intelectuais de direita que tinham apoiado o golpe de 1964, a fina flor do pensamento de esquerda e moradores de rua no salão principal do palácio”, afirma Antônio Carlos.
As fotos refletem um bispo humano, demasiadamente humano, que lutava contra as desigualdades sociais, combatia a miséria e defendia os direitos básicos de homens, mulheres e crianças em plena ditadura militar. Um perfil conciliador reconhecido internacionalmente, como se vê na da página 73 do livro que traz a imagem de jovens num congresso católico na Alemanha, em 1970, segurando uma faixa de apoio à indicação de dom Helder para o Prêmio Nobel da Paz. Reconhecimento que ele nunca recebeu.
“Há uma história que eu não presenciei, mas tenho certeza que é verídica porque dom Helder, enquanto morou no palácio, de 1964 a 1968, acolhia estudantes perseguidos pela repressão. Um deles estava sendo procurado feito agulha no palheiro e um coronel foi lá, pedir o estudante. Dom Helder, que tinha a mania de se despedir batendo no joelho do interlocutor, depois de conversar, conversar, conversar, bateu no joelho do militar e disse: coronel, se a situação mudar e os meninos quiserem fazer com vocês o que vocês estão querendo fazer com eles pode vir pra cá que eu lhe acolho. O coronel botou a viola no saco e foi embora”, relata Antônio Carlos Maranhão.
Com textos do teólogo Leonardo Boff, de frei Betto e do monge Marcelo Barros, e reprodução de frases simples e inteligentes que o Dom da Paz falou, escreveu e deixou para as gerações futuras, o livro será lançado num evento aberto ao público batizado de Noite Memorável, numa referência às Noitadas Culturais promovidas por dom Helder nos Manguinhos. A programação inclui canto, dança, poesia e trechos da Sinfonia dos Dois Mundos, criada por dom Helder com o padre e maestro suíço Pierre Kaelin em 1979.
O livro custa R$ 100 no lançamento (o valor será maior depois) e ficará à venda nas livrarias da Cepe e na sede do Idhec, ao lado da Igreja das Fronteiras, no Centro do Recife. O Idhec se compromete a enviar exemplares para capitais no Brasil cobrando adicional de R$ 20 pelo frete. Os interessados devem fazer o depósito no Banco Itaú, agência 3175 e conta corrente 19.789–0. O CNPJ do instituto é 08.799.272/0001-05. É preciso enviar os dados por e-mail (fotobiografiadomhelder@gmail.com) para confirmar informações.
O aniversário de 20 anos da morte de dom Helder também será lembrado com missa na Igreja das Fronteiras, às 11h neste domingo (25), e celebração eucarística presidida pelo arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, às 19h30 de terça-feira (27), na Igreja da Sé, em Olinda, onde ele foi sepultado.