A obra de restauração da Igreja Conceição dos Militares, no Centro do Recife, está prevista para terminar em maio de 2020. Mas com 80% do trabalho pronto o colorido da arte barroca-rococó do século 18 voltou a ocupar seu espaço no templo católico da Rua Nova, no bairro de Santo Antônio. Os tons dourado, azul e bege, raspados e pintados de branco no século 19, já predominam em um púlpito, quatro tribunas, 11 sanefas, nas molduras dos medalhões do forro e na cimalha real, a varanda estreita que percorre as janelas abertas no topo das paredes para iluminação do prédio.
Todas as peças exibem a cor bege clara de fundo com pintura jaspeada azul (desenhos imitando a pedra jaspe). Mais de 1.600 livros, cada um com 25 folhas de ouro 24 quilates medindo 8 centímetros por 8 centímetros, foram usados para recuperar o douramento perdido pelo desgaste do tempo. Falta recuperar a pintura e o dourado de três balcões de tribuna (local para oradores), um guarda-corpo de púlpito (onde os padres faziam pregações), três sanefas (enfeite sobre tribuna, púlpito e portas) e o coro completo.
“Estamos trazendo de volta a decoração e a ambiência do projeto implantado no século 18, com isso é possível ter a leitura do barroco-rococó por inteiro”, afirma Pérside Omena, restauradora e coordenadora da intervenção artística na Igreja Conceição dos Militares. A ambiência, diz ela, será recuperada na iluminação, paredes e portas. “Nas prospecções de paredes da nave (local onde os fiéis assistem à missa) encontramos a mesma cor bege clara”, declara. Ação semelhante será executada nas portas, atualmente cobertas de azul.
Iniciada em maio de 2017, a restauração da igreja custa R$ 8,7 milhões, foi contratada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com recursos do PAC Cidades Históricas, programa do governo federal para recuperação de áreas e prédios tombados. O trabalho começou com a remoção das três camadas de tinta branca sobre a pintura colorida e com o preenchimento de partes das talhas carcomidas por cupins. Os restauradores ainda precisam retirar trechos repintados em 25% do forro.
“Achamos fragmentos da pintura jaspeada no forro, púlpitos, tribunas, sanefas e cimalha real, por orientação do Iphan refizemos os desenhos a partir do modelo existente e preservado na capela-mor da igreja, restaurada de 2007 a 2009”, explica Pérside Omena. “Para não criar um falso histórico utilizamos a técnica do pontilhismo, que é visível quando a pessoa se aproxima da peça, deixando bem marcada a intervenção nova”, destaca.
Em dois anos e quatro meses de obra, a equipe restaurou dois painéis localizados nos retábulos – talhas no acesso à capela mor, separadas por um arco cruzeiro – decorados com imagens da ressurreição de Cristo e do batismo de Cristo por São João Batista. A pintura do século 18 foi encoberta por outro desenho na mesma temática, mais popular e em tons mais claros, no século 19. “Removemos com solventes e bisturis e recuperamos a pintura mais erudita do século 18.”
A Igreja Conceição dos Militares, tombada como monumento brasileiro pelo Iphan, levou 58 anos para ser construída. A obra se estendeu de 1723 a 1781. A capela-mor, com sua arquitetura religiosa barroco-joanino é da primeira metade do século 18. O forro da nave, um híbrido de rococó e barroco decorado com medalhões que contam diversas passagens da vida de Nossa Senhora, é um pouco mais novo. Foi produzido de 1760 a 1770, diz a restauradora. Cobrir a pintura colorida com tinta branca no século 19, esclarece Pérside Omena, seguia a tendência neoclássica da época.
Detalhes antes escondidos agora se sobressaem, como a coroa e o brasão do Império no centro o arco cruzeiro, peça que separa a nave da capela mor; as figuras humanas que simbolicamente seguram o forro e decoram talhas; e cortinas entalhadas nos retábulos que mais se parecem veludo cor de vinho pela riqueza das dobraduras. Outras curiosidades o observador pode descobrir quando o prédio for reaberto ao público, em 2020.
As atividades religiosas estão suspensas na Igreja Conceição dos Militares desde outubro de 2014. Antes da restauração artística, executada pela empresa Grifo: Diagnóstico e Preservação de Bens Culturais, o prédio passou por reformas estruturais, financiada pelo Iphan com verba do PAC.