Esqueça a lógica matemática. Se cabem, ou não, 1, 2 ou 3 milhões de pessoas naquelas ruas estreitas. O Galo da Madrugada é grande de dentro para fora. Pelo que se conta, mas, sobretudo, pelo que é intangível. Tudo nele é superlativo. De dimensões irreversíveis. É como se, diante do espelho, aquela massa, explodindo de calor, refletisse a síntese da natureza gigante que é ser pernambucano. É coisa nossa ter o maior bloco de Carnaval de rua do mundo, com atestado e de papel passado. O Galo somos nós, mascarados ou não. É o folião, sozinho, fantasiado de sonho. É a multidão, mergulhada no devaneio coletivo de Momo. Nem precisa gostar de Carnaval para estufar o peito de orgulho ao ver o bloco, majestoso, rasgando a Avenida Guararapes sob o sol escaldante do meio-dia. Quem vai jura: a emoção é indescritível. “Tem que vir e sentir.” Para quem assiste, é de tirar o fôlego. No chão, no camarote, nas redes sociais, na tela da TV ou só de ouvir falar. É impossível ficar indiferente a essa imensidão chamada Galo da Madrugada.
» A misticidade que envolve o Homem da Meia Noite, símbolo do Carnaval de Olinda
» Alegoria do galo gigante do Galo da Madrugada 2020 apresentada no Recife
» 'Carnaval começa no Galo da Madrugada'. Aprenda a cantar o hino do Galo para o Carnaval 2020
» Seis carros alegóricos contam história da xilogravura e cordel no Galo da Madrugada 2020
Não bastasse ostentar o carimbo “de maior do mundo” (o que naturalmente alimenta o ego do mais humilde dos pernambucanos), corre nas veias do Galo justamente o mais pernambucano dos ritmos. É o frevo, mais do que qualquer outra música, que determina as batidas do coração de cada um dos milhares e milhares de súditos/foliões que invadem as ruas do Centro do Recife no Sábado de Zé Pereira. É claro que, numa festa por onde passam mais de mil artistas, toca-se de tudo. Do axé ao sertanejo, do samba ao brega funk. Mas, se for para ir, tem que se deixar frever, de ponta a cabeça. Não por coincidência, e sim, destino e vocação, o Galo nasceu no mesmo canto que é um dos berços do frevo, do Carnaval e da própria história da cidade: o bairro de São José. Nasceu em casa, por assim dizer. Pelas mãos de umas 70 “almas”, que, na missão de resgatar a folia de rua, lá nos idos de 1978, fizeram surgir um amor para a vida inteira.
Sem saber, o Galo foi visionário. Em poucos anos, já era um sucesso. “As pessoas logo se identificaram com aquele movimento. Havia um inconsciente coletivo de voltar às origens. A saudade que os fundadores do bloco tinham do Carnaval de rua era, na verdade, a saudade de todos”, diz o presidente do clube de máscaras, Rômulo Meneses. Tanto que uma marca do bloco é o sentimento de pertencimento que cada um dos milhares de foliões carrega em relação ao Galo.
“Eu aprendi a amar por osmose. Tenho a honra de ter ido ao primeiro desfile, no fim dos anos 70, levado pelas mãos do meu pai, menino ainda”, recorda André Rio, 49 anos, um dos cantores e compositores pernambucanos que é a cara do bloco. A história artística do músico foi forjada no Sol quente do Galo. Aos 16, começou a arriscar umas músicas, acompanhando a orquestra do tio, o maestro José Menezes. Em 1994, veio a estreia profissional no desfile. De lá para cá, são 26 anos ininterruptos comandando um dos 30 trios elétricos do cortejo. “O bloco sintetiza a alma carnavalesca do pernambucano. Eu já cantei em muitos lugares no Brasil e no mundo. O Galo é diferente de tudo”, atesta.