Em junho de 2000, o Jornal do Commercio já trazia em suas páginas os conflitos na região da cidade de Itaíba, no Agreste pernambucano. A reportagem entrevistou Raimundo Pereira, considerado o último dos Pereira e que havia fugido da cidade com medo de ser executado.
Na época, ele já citava o nome de José Maria Pedro Rosendo, principal suspeito de ter mandado matar o promotor Thiago Faria Soares, crime que ocorreu na última segunda-feira (14). Ele seria líder de um grupo de pistoleiros.
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De acordo com Raimundo Pereira, a região era disputada por "três grupos de pistolagem", com assaltos a bancos e cerca de 150 bandidos. O maior deles seria comandado por Claudiano Martins, da família de Mysheva Martins, noiva do promotor assassinado.
Confira entrevista completa abaixo:
“Três grupos estão à frente da pistolagem no Agreste do Estado”
São três grupos de pistolagem e assaltos a bancos e carros-fortes, e cerca de 150 bandidos. O maior grupo é o do Claudiano Martins, atual prefeito de Itaíba (PMDB), irmão de Numeriano Martins – que seria o chefe operacional das ações – e candidato a prefeito de Águas Belas pelo PPB. O outro é o do Hildebrando Lima, ex-prefeito de Águas Belas, com prisão decretada pela Justiça de Alagoas e hoje foragido, e o terceiro seria comandado por José Maria Pedro Rosendo, o Zé Maria de Mané Pedro, também candidato a prefeito de Águas Belas (PMDB). As acusações são feitas por Raimundo Pereira, conhecido como “o último dos Pereira”, de Itaíba, que fugiu do município para não morrer. Pereira – que perdeu dois irmãos e mais 13 primos e sobrinhos – revela que a briga entre Hildebrando e Zé Maria é “uma farsa”. Sob a proteção da CPI da Pistolagem, Pereira afirma que os grupos contam com a cobertura política de dois deputados. Em entrevista ao repórter Ayrton Maciel, ele narra o drama da região do “Triângulo da Pistolagem”, no Agreste Meridional, e a saga da família.
JORNAL DO COMMERCIO – Quais os crimes que você diz terem sidos cometidos pelos grupos de Claudiano e Numeriano Martins, Hildebrando Lima e Zé Maria de Mané Pedro?
RAIMUNDO PEREIRA – Zé Maria tem um grupo de pistoleiros, Hildebrando tem outro, e Claudiano tem outro com o Numeriano. Na hora em que Numeriano ganhar a prefeitura (Águas Belas), vai comandar outro. O que eles fazem: juntam dez bandidos e os caras assaltam um banco, e eles ficam em casa. A metade fica para os bandidos, a outra fica pra eles. Os bandidos roubam uma carga, chegam com ela escondida em Itaíba, e Claudiano e Numeriano apuram a mercadoria. Dão uma parte aos bandidos e ficam com três quartos. Eles também dão segurança de polícia para que outros bandidos não cheguem pra mexer com os deles. E tão ‘enricando’. Numeriano, Claudiano, Zé Maria e Hildebrando, os recursos deles são assim. Eu conheci Claudiano com 13 anos, e ele não podia comprar uma bicicleta. Hoje, os cinco irmãos são todos donos de fazenda.
JC – Você diz que eles ficaram ricos com o crime?
Pereira – Eles são cobras criadas. O dinheiro é conseguido com assalto a banco, roubo de carga... Zé Maria, há três anos, desapareceu de Águas Belas (no depoimento à CPI da Pistolagem, em Caruaru, Zé Maria disse que viveu “uns tempos” em Alagoas). Ele não tinha uma camisa pra vestir, e voltou um homem rico, enfrentando uma política (é candidato a prefeito do município).
JC – Quantos integrantes têm os três grupos?
Pereira – Eles comandam uma média de 150 pistoleiros. Quem tem o grupo maior é Claudiano Martins. Cá’gente (sic) sabe, eles só assaltam em Pernambuco. Lá fora, a gente não sabe. Carros-fortes são assaltados sempre lá. Em média dez a quinze (por ano). Não sei se são sempre eles, mas alguns assaltos eles (integrantes dos grupos) são flagrados nas estradas. Mas assaltam também comerciantes... Tem uma serra a cinco quilômetros de Itaíba, ligando a Tupanatinga, onde acontece mais de cem assaltos por ano a carro-forte, a carga e a comerciante. Até pra tomar mixaria. Tudo encapuzado. Assaltam e entram no mato.
JC – Como é que se sabe, então, quem é da região?
Pereira – Alguns são reconhecidos pelo fato de serem nascidos e criados lá... A turma vê e já conhece o corpo, o andar... Lá tem muita gente que dá apoio a eles. No Sítio Fava, em Itaíba, tem um pessoal que dá muita cobertura a eles. Alguns carros roubados são escondidos lá. Pertence a Paulo de George. O velho e dois dos filhos são direitos, mas tem um que é pistoleiro deles. E o Paulo dá cobertura.
JC – Em Caruaru, na acareação com o Zé Maria, você ficou na dúvida se era o mesmo...
Pereira – É aquele mesmo. Eu já tinha visto ele, não sabia era dizer: ‘esse é o Zé Maria’. No dia do tiroteio da casa do Mariano (Pereira), eu vi uma pessoa que parecia muito com Zé Maria. Mariano reconheceu ele...
JC – O que é candidato a prefeito em Águas Belas?
Pereira – É. É Zé Maria de Mané Pedro. Olhe, Hildebrando (Lima, foragido) tem uma filha casada com um filho de Jaci (Pereira, primo de Raimundo). Agora, ele é bandido (Hildebrando), é coiteiro de pistoleiro. Se Hildebrando ganhar um dia a política (prefeitura), fica máfia em Itaíba; se Zé Maria ganhar, fica máfia em Águas Belas; se Numeriano ganhar, fica a mesma coisa em Águas Belas.
JC – Quem mais é contra quem na região?
Pereira – Num (sic) tem ninguém contra ninguém. Claudiano, Hildebrando e Numeriano conversam na mesa, fazem o acordo bonitinho e aí mostram para a população que estão encrencados. Um pega bandido e joga na mão do outro. Zé Maria joga nas mão de Numeriano para ele matar, Numeriano pega bandidos dele e joga na de Zé Maria; Zé Maria joga bandidos na mão de Hildebrando pra ele matar. É pra fazer a farsa. No final, um vai ganhar a eleição, e os outros ficam fazendo que estão encrencado. Quando o Mariano (Pereira) disputou com o Eraldo Barbosa (candidato de Claudiano), Mariano disse que tinha uma ‘panela’ na prefeitura e que se ganhasse ia quebrar ela. Pra nós, ele dizia que tinha um buraco na prefeitura.
JC – Então, a inimizade entre Hildebrando e Zé Maria não é pra valer?
Pereira – É farsa. Numeriano Martins e Zé Maria de Mané Pedro, desde a década 80, assaltam bancos juntos. São unidos como dois irmãos. Teve até época que Hildebrando tava contra Numeriano, e como é que agora Numeriano e Hidelbrando vão estar contra Zé Maria. Ou eles estão unidos, os três, pra onde o que ganhar (em Águas Belas) ficar tudo em casa, ou tem esquema armado pra ganhar (Zé Maria ou Numeriano) e matarem o Hildebrando.
JC – Existem cemitérios clandestinos na região?
Pereira – Desde que eles começaram a cometir crimes na região, que o povo comenta que eles enterram gente nas fazendas. Eu nunca vi, mas a população comenta que tem cemitério clandestino na Serra dos Cavalos, na do Facão e na Vargem da Garrota, os cantos mais escondidos. Na Garrota, tem desmache de carro. A polícia já matou bandido deles lá. Já matou um primo do Claudiano, filho de Quinca Boi...
JC – Denúncias feitas à CPI da Pistolagem dizem que essas pessoas procuram a política para ter um lastro que encubra as suas atividades criminosas. Eles têm apoio de algum político?
Pereira – Tem dois deputados que se envolvem, assim: dão cobertura a eles, tudo o que precisam, quando a barra pesa pra eles. É Inocêncio Oliveira (PFL) e José Aglailson (PSB). Eles ajudam, talvez pelo fato de arrumarem votos. Aí, eles facilitam a soltura de um, evitam que um policiamento forte entre até lá. O envolvimento é quando precisam de uma ajuda, no Recife. Aí eles resolvem. Os Martins têm poder lá, são prefeitos e fazendeiros, mas não têm poder no mundo todo.
JC – Você revelou à CPI ter perdido 15 parentes, vítimas do grupo dos Martins...
Pereira – Perdi meus irmãos Reginaldo (1997) e Isnar (1999) Pereira, os primos Mariano (1996), Adão Cassiano (1995), Pingüim (1992), Antônio Pinga (1993), Givaldo (1992), Arnóbio (1995) e Luiz Marinho (1998), e os sobrinhos Rinaldo (1997), Zito e João (1999), e Anélio e Salino (1998). Tem ainda o Eié (1990), mas esse a gente tem dúvida se foram os Martins. Em todos os outros assassinatos o Numeriano estava.
JC – Por que esse ódio dos Martins contra os Pereira?
Pereira – Eles querem jogar três mortes que aconteceram num mesmo dia, em abril de 1992, feitas por um primo meu, Wellington, que é Pereira e Malta, pra nós. Eles procuram envolver essas mortes como nossas, mas não tem nada a ver com os Martins. Wellington é neto de Zé Migué (sic) e sobrinho de Zaidan, da família Malta. Quando começou a política, com Mariano Pereira candidato, em Itaíba, Zaidan perseguia Wellington pra matar. Mariano gostava muito de Wellington e dizia pra ele não confiar muito em Zaidan. Um dia, um filho e um neto de Zaidan, e mais dois pistoleiros, foram com Wellington e Hélio, primo meu, pra uma festa em Tupanatinga. Lá, bêbados, alguém disse a Wellington que o pessoal tinha ido matá-lo a mando de Zaidan. Na volta, alguém pediu pra parar o carro e ir urinar. Aí, começou o tiroteio, morrendo o filho e o neto de Zaidan e um pistoleiro. Wellington levou os corpos até o sítio de Mariano, que mandou ele se retirar. Depois, espalharam que Mariano tava envolvido com as mortes para ele perder as eleições.
JC – Foi por conta disso o ataque ao sítio de Mariano?
Pereira – Faltando três dias para a eleição, depois de um comício de noite, quando amanheceu três carros e uns 13 homens chegaram. Tavam com coletes da Polícia Civil, cercaram a casa e disseram que queriam falar com Mariano. Ele contava pra gente que quando saiu reconheceu logo Zé Maria de Mané Pedro. Aí, ele viu que não era polícia. Perguntaram por Wellington, e Mariano disse que já ‘tinha corrido’ com ele. Começou o tiroteio, e Mariano levou um tiro no ombro. O pessoal da casa reagiu e eles fugiram. Mariano não fez o comício de encerramento e Eraldo ganhou. Aí, ele vendeu o Sítio Broca, o gado, e foi pra São Paulo.
JC – Como foi a morte do Mariano?
Pereira – Ele falava em voltar pra se candidatar de novo, mas vivia ameaçado. Lá em São Paulo, o pessoal viu carros estranhos passando em frente à casa. Eram oito pra nove da noite. Mariano foi atender um telefonema na casa da vizinha. Na volta, recebeu os tiros. Teve uma pessoa que viu os assassinos: Numeriano, Heliano, Lula, Eraldo, Fernando Ilia e outros que não foram reconhecidos. Essa pessoa saiu de Itaíba com 35 anos. Conhece todos eles de berço. Muitos Pereira ainda não sabiam da morte de Mariano, e já começou a chegar polícia em Itaíba.
JC – E por que os outros Pereira morreram em seguida?
Pereira – Eles achavam que a família Pereira ia vingar a morte de Mariano. Mas nós nunca provocamos os Martins, nem ninguém falou nisso. A gente se dava, e ainda nos damos, com a maioria da família deles. Hoje, os Pereira tão cada um por um canto. Abandonamos nossos sítios pra fugir. Se esses cinco irmãos saírem de Itaíba, Numeriano, Claudiano, Heliano, Otaviano e Oleriano, e alguns pistoleiros deles, a gente volta. Os Pereira só não chegam na casa de alguns dos Martins e não come, não bebe, num drome (sic) e num palestra, porque eles vêm e matam.
JC – Como foi o tiroteio em Tupanatinga, quando dizem que Numeriano saiu ferido?
Pereira – Eles atacaram a casa e mataram dois sobrinhos meus, Zito e João. Depois, tocaram fogo nela. Saiu ferido Numeriano e também um cunhado dele ou de Claudiano. Ele sumiu da cidade, e os Martins dizem que ele fugiu, mas o povo conta que ele morreu. Numeriano foi se tratar em outro canto pra que ninguém identificasse, porque se não iam saber onde foi, como foi, quem foi.
JC – Qual o comportamento da polícia na região?
Pereira – Ela faz o que eles querem. Os inquéritos são do jeito que eles querem. Os Martins andam com cinco a seis soldados e oito a dez pistoleiros. Eles pedem segurança, alegando sofrerem ameaças. Quando os policiais se tornam fixos, viram também integrantes dos seus grupos.