Rafaela Oliveira dos Santos, 20 anos, é uma das mães dos bebês com microcefalia que voltaram ao trabalho quando o período de licença-maternidade chegou ao fim. Auxiliar de serviços gerais, ela precisava cumprir uma carga horária das 9h às 19h para ganhar um salário mínimo. “Ficou difícil conciliar a ida às terapias e consultas médicas com o emprego que tinha porque a rotina de cuidados de um bebê com microcefalia é muito intensa. Houve dias em que chegava atrasada e outros que precisei faltar. Tive que pedir demissão para cuidar de Luiz Felipe. Por isso, aumentar o tempo da licença-maternidade foi importante para que a mãe possa ter mais tempo com o filho e se programar melhor para voltar ao trabalho”, conta Rafaela, ao se referir à ampliação da licença-maternidade remunerada de 120 para 180 dias para mães de bebês com a malformação congênita e sequelas neurológicas relacionadas a doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. A ampliação do direito passou a ter força de lei com a publicação, na terça-feira (28), no Diário Oficial da União. A Lei nº 13.301 se aplica para mulheres contratadas por regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
“Para essas famílias, todo benefício é bem-vindo. Mas nessas situações, é importante refletir como esse aumento de 60 dias da licença-maternidade vai funcionar na prática. E passados os seis meses, período em que as mães precisam voltar ao trabalho, com quem ficarão os bebês, que continuarão a apresentar condições que exigem cuidados especiais, como dificuldade de deglutição e crises convulsivas?”, questiona a infectologista pediátrica Angela Rocha, chefe do Setor de Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), referência no atendimento das crianças com a malformação congênita.
Para a médica, essa dificuldade que as mães têm para encontrar uma pessoa de confiança que se sinta segura para cuidar de um bebê com microcefalia faz muitas abandonarem o emprego para abraçar a rotina de mãe fisicamente presente ao longo de todo o dia. “São mulheres que não se sentem confortáveis para delegar a outras pessoas os cuidados com o filho que tem microcefalia. E por parte de quem recebe essa responsabilidade, vai existir insegurança, com exceção de algumas avós. Por isso, a volta ao trabalho é difícil”, acredita Angela.
Mãe de Ester, 8 meses, Valéria Araújo, 24 anos, optou por nem tentar o retorno ao emprego com o fim da licença. Inspetora de qualidade, ela começou a pensar em pedir demissão ainda na gestação, quando soube que a filha possivelmente nasceria com microcefalia, diagnóstico confirmado após o nascimento. “Ainda grávida, fiquei pensando em como seria essa rotina de cuidados. E hoje a agenda diária de Ester é cheia. Preciso levá-la à terapia ocupacional, à fisioterapia e hidroterapia. Ainda tem as atividades de estimulação que precisamos fazer em casa. Acho que é difícil encontrar alguém que se comprometa com essa rotina enquanto a mãe trabalha.”
A advogada Simony Nogueira, especialista em direto do trabalho e relações sindicais, orienta que as mães dos bebês apresentem na empresa uma declaração médica de que o filho nasceu com microcefalia ou qualquer outra sequela neurológica associada ao Aedes “O detalhe é que a lei não menciona como devem ser os procedimentos adotados pela empresa. Acredito que ainda devem vir novos esclarecimentos sobre a forma como vai se dar essa operacionalização”, ressalta Simony. Ela acredita que a lei também pode beneficiar as mulheres que já estão em licença-maternidade, e não apenas aquelas que ainda vão dar à luz os bebês com microcefalia. “Nesses casos, a empresa poderá oferecer os 180 dias, considerando a vigência da lei”, acrescenta.