A história da "Paixão de Cristo de Nova Jerusalém" e a do figurinista Victor Moreira quase se confundem. “Foi amor à primeira audiência”, brinca o estilista, que mal havia estreado no mercado de moda, quando foi convidado pelo amigo Luiz Mendonça para ver a encenação, na quadra de um colégio público, lá pelos idos de 1950. Era uma montagem quase mambembe, de tão precária. Mas marcaria para sempre a carreira de Victor. Sem pensar duas vezes, o estilista estreante embarcou como podia naquele projeto que estreava também.
Com Luiz Mendonça e “o talentosíssimo” Clênio Wanderley, a missão dele era agigantar o espetáculo, idealizado à imagem e semelhança da "Paixão" encenada a cada dez anos, desde 1634, em Oberammergau, na Alemanha. “Nas primeiras montagens, a gente usava até lençol para compor os figurinos”, diverte-se Victor, recordando a via-crúcis que percorreu até sagrarem-se célebres – ele e o espetáculo. O aclamado maior teatro a céu aberto do mundo, com seus vários palcos, só ficaria pronto em 1968. E para que os atores se apresentassem à altura dos cenários, Victor fez uma enorme pesquisa histórica para compor um rico guarda-roupa com mais de duas mil peças. “Hoje, nossa Paixão tem renome internacional”, orgulha-se o estilista de 80 anos, que foi homenageado na semana passada pela direção da Sociedade Teatral de Fazenda Nova, pelas seis décadas de dedicação celebradas em 2014.
Mas Jesus, Maria, Herodes, Pilatos e Madalena nunca foram os únicos nem os mais nobres fregueses de Victor. Na década de 1960, ele era um dos mais requisitados figurinistas da alta sociedade. “Ia às semanas de moda de Paris, pesquisava, comprava revistas, livros, fazia questão de me manter sempre informado sobre as tendências.” E, além de colocá-las em prática nos ateliês que mantinha Brasil afora, quedou-se repórter de moda nas horas vagas para compartilhar o que sabia com mais pessoas. “Escrevia colunas fixas e fazia até ensaios para jornais daqui, de Fortaleza e de São Paulo.”
Não demorou muito e o rapaz de boa aparência e conversa comprida foi parar na televisão. Ele roubava a cena no programa "Isto é elegância", que era exibido toda quinta-feira no canal 6. O ano era 1965 e Victor era uma brasa, mora. Contracenando com a atriz carioca Heloísa Helena, ele desenhava modelos e fazia comentários sobre moda ao vivo. E ainda aproveitava a audiência para entregar o Prêmio Agulha de Ouro, para costureiras. “Era tudo ideia minha. O pior é que o patrocínio era meu também”, brinca.
Entre a TV e o teatro, Victor escolheu fazer tudo. Em paralelo à "Paixão de Cristo", trabalhava concebendo figurinos e cenários, a princípio para o Teatro Adolescente de Pernambuco e, a partir de 1974, para o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP). “Já havia recebido muitos prêmios como figurinista quando Waldemar de Oliveira me incumbiu da árdua missão de criar os figurinos para a primeira montagem de Shakespeare da companhia. O texto era Macbeth”, recorda Victor, que recriou em crochê pintado de prata as cotas de malha medievais.
Muito trabalho depois, Victor agora é um homem de uma paixão só: Fazenda Nova. “Enquanto conseguir ficar de pé, estarei trabalhando pelo espetáculo que é a azeitona da minha empada”, brinca o estilista, que hoje divide a concepção, renovação e confecção dos figurinos com Marina Pacheco. De cliente pessoa física, diz que não quer nem ouvir falar. “Faço um trabalho ou outro, só para familiares e amigos próximos.” Para ele, a moda retrocedeu nas passarelas cotidianas. “As pessoas perderam toda e qualquer referência do que é elegância”, reclama Victor, que, de tanto vestir Pilatos, lavou também as mãos.