Nessa segunda-feira pela manhã, confirmou-se o que já se especulava - e lamentava-se - no meio artístico: instituição referencial das artes plásticas há mais de 20 anos (desde quando era, ainda, administrado pelo extinto Banco do Estado de Pernambuco), o prédio do Santander Cultural vai fechar as portas em definitivo.
“É um prédio pequeno demais, com limitações demais para nossas exposições”, justificou, assim, Marcos Madureira, vice-presidente de Comunicação, Marketing, Relações Institucionais e Sustentabilidade do Santander. Ele veio especialmente de São Paulo anunciar, em coletiva, o destino do prédio fechado há mais de um ano para uma suposta reforma que não aconteceu - nem acontecerá. “Como acreditamos muito em Pernambuco, vamos investir na arte pernambucana de outra forma”, disse.
A nova estratégia de investimento do banco espanhol que se firmou no Brasil com a compra e fusão de mais de 50 bancos é o patrocínio em ações do Museu do Estado de Pernambuco - instituição de acervo histórico e artístico que tem sido alvo de manutenção precária por parte do Governo estadual.
No dia 5 de julho, o museu abriga uma edição do Programa Fazendo e Ouvindo Música, criado pelo Santander. O acordo prevê ainda a modernização da reserva técnica, do laboratório de conservação, com oferta de uma oficina de restauro, e restauração da coleção do museu. “Nenhum governo tem a cultura como prioridade. Temos que nos esforçar muito para manter o museu”, disse a diretora da instituição, Maria Digna Pessoa de Queiroz, acrescentando que o patrocínio do Santander é algo a “ser comemorado”.
“Com o patrocínio ao Museu, vamos aumentar nossa capacidade de investimento na arte em Pernambuco”, disse, sorriso largo no rosto, o executivo Marcos Madureira. Ele, contudo, não pôde dizer quanto a mais será investido pelo banco em arte. Nem quanto custava manter o prédio histórico no Bairro do Recife. “Não podemos revelar números. Não importa quanto investimos, importa o que fazemos”, disse.
Três anos. Esse é o tempo (inicial) de duração do acordo de patrocínio entre o Santander e o Museu do Estado de Pernambuco (Mepe). “O acordo deve ser ampliado”, diz o executivo de comunicação do banco, Marcos Madureira. Embora não revele a quantia disponível para patrocínios no Mepe, o executivo diz que os investimento deve ser diretos, e não por meio de renúncia fiscal.
A classe artística pernambucana não recebeu com alegria o anúncio de que o prédio do Recife vai fechar as portas e o Santander investir no Museu do Estado. “Nessa época de crise das instituições culturais, vamos agora para mais um capítulo de desmonte da política cultural do Recife”, avalia Cristiana Tejo, crítica e curadora de arte com trânsito internacional. “Como se pode afirmar que vai haver mais investimentos se não sabemos quanto será investido? É muito cômodo e confortável para o Governo estadual o apoio”.
Com o fechamento do Santander, não há previsão de retomada do programa Pernambuco Contemporâneo, linha de atuação que, sob a gestão do curador Carlos Trevi, não apenas evidenciou, como revelou nomes da cena contemporânea pernambucana.
“Nesses anos todos, mesmo sob o nome de outros bancos, aquele prédio sempre foi um centro de artes. Vi grandes exposições ali, importantes até para a minha formação curatorial”, segue Cristiana. “Todos os pernambucanos que expuseram ali tiveram grande repercussão. Posso citar, como exemplo, Jonatas de Andrade que apresentou Ressaca Tropical, seu segundo trabalho, no centro e de lá foi para Bienal do Mercosul e para Nova Iorque, onde expôs no New Museum. Ter um artista da cidade com um curador de fora amplifica o conhecimento do trabalho do artistas. Houve muita ressonância”, diz ela.
Depois de ter recebido e exposto as 125 obras da Coleção Marco Antônio Vilaça, o coordenador de cultura do Santander Carlos Trevi criou o projeto Pernambuco Contemporâneo em 2006. “A ideia era dar visibilidade aos novos talentos”, diz Carlos Trevi. Dez nomes participaram do programa: Amanda Melo, Lourival Cuquinha, Rodrigo Braga, Killian Glasnner, Jonatas de Andrade, Cristiano Lenhardt, Tereza Newman, Jeims Duarte, Bruno Vieira e Bárbara Wagner. A coleção, por sinal, não terá mais contato com público: já começou a ser devolvida para a família Villaça.
Diretora do Mepe, Maria Digna diz que o museu deve criar uma linha de atuação em arte contemporânea. Algo ainda sem projeto. “É uma ideia que está muito ainda no papel”, contemporiza. “Vamos sim continuar a apostar nos novos artistas”, garante, ainda sem projetos concretos, Marcos Madureira. “Vamos continuar fazendo tudo que fazíamos no outro prédio”, diz.
Coordenador cultural do Santander, Carlos Trevi passa a integrar uma comissão de gestão e curadoria do Museu do Estado. Mas, segundo Madureira, Trevi segue suas atribuições - atuando em todas as ações culturais do banco no Brasil. “Se Trevi perde autonomia, perdemos muito na política da arte aqui”, diz a pintora Tereza Costa Rêgo. “A exposição mais bem montada da minha vida foi produzida por ele”, diz ela, sobre O Imaginário do Bordel. “Enquanto o mundo todo abre novas galerias, nós fechamos. É muito triste. Aquele prédio já abrigou exposições fabulosas, não tem nada de pequeno”, diz a artista plástica Badida, que tinha se engajado na articulação do abaixo-assinado virtual #Fica Santander. “É a lógica da espetacularização. Se é pequeno, porque não fazer exposições sérias, pontuais”, indaga Cristiana.
“Aquele é um prédio que está até na memória afetiva da arte na cidade”, diz o artista Edson Menezes, o Popó. “É uma perda não só artística, mas educativa. Grandes exposições, como a Paidea, sobre o sentido da educação, levaram muitos estudantes ao centro”.
Desde que entrou no País, o Santander tem acumulado balanços positivos. O grupo espanhol fechou o ano de 2013 com lucro de R$ 12 bilhões no Brasil. Mesmo tendo perdido a conta do Governo do Estado para o Bradesco.
Embora fechado o do Recife, o Centro Cultural Santander de Porto Alegre será mantido. “Ali, é uma outra situação, o prédio é nosso, é muito maior, e na cidade temos grande parte de nossa central”, justifica Madureira.
Em até um mês, o prédio do Recife Antigo será devolvido ao dono. Segundo o executivo, até ontem a Bandeprev, proprietária do imóvel, não havia sido comunidade do fim do contrato. O destino do prédio que faz parte da paisagem do ponto onde a cidade surgiu ainda é incerto.