Inspirados na Brigada Portinari, artistas locais criam a Brigada da Hora

Provocado por Raul Córdula e Amélia Couto, grupo fará intervenções em muros e paredes do Recife e de Olinda como forma de protesto
Raissa Ebrahim
Publicado em 20/06/2016 às 7:05
Foto: Divulgação


Um grupo de artistas deu início, neste domingo (19), a uma grande experiência coletiva para disseminar, nos muros e nas paredes do Recife e de Olinda, a arte de rua como forma de protesto político. Inspirados na Brigada Portinari (1982), eles criaram a Brigada da Hora, em homenagem ao pernambucano Abelardo da Hora, falecido em 2014, aos 90 anos, e que deixou marcas fortes também na política. O nome do movimento é referência ainda à urgência do momento de luta pela manutenção da democracia. 

A Brigada da Hora surgiu de uma provocação do artista plástico paraibano, mas olindense de coração Raul Córdula, de 73 anos, e da fotógrafa e ceramista Amélia Couto. O nascimento do movimento aconteceu no Cine Duarte Coelho, no Varadouro, em Olinda. É também no Sítio Histórico que está sediada A Casa do Cachorro Preto, uma das âncoras do projeto e local que permanentemente abriga exposições e eventos culturais.

O grupo, formado na tarde de domingo por artistas plásticos, grafiteiros, músicos, jornalistas e estudiosos, pintou o local todo de vermelho e escreveu “Brigada da Hora” na cor branca. O cinema é símbolo do abandono público do patrimônio artístico e cultural. 

Além de Raul e Amélia, estiveram envolvidos no nascimento da brigada no Cine Duarte Coelho nomes como Antônio Paes, Nando ZV, Mila Falcão, Vinícius Nunes Leso, Raoni Assis, Manoel Quitério, João Lin, Demétrio Albuquerque, Katia Fugita, Filipe Niero, Sheila Oliveira, Cecília Araújo e França Bozion. Mas a ação não se restringe a esse grupo. Após a divulgação nas redes sociais, muita gente, de vários segmentos, mostrou-se interessada em fazer parte da brigada.

“Nós fizemos a provocação: por que não nos colocamos como sociedade junto com os grafiteiros, já que eles é que têm o maior poder de comunicação entre os artistas atualmente? E eles aceitaram”, explicam Córdula e Amélia. “Não faria sentido fazer uma exposição como essa, de protesto contra o golpe, dentro de uma galeria. Isso é arte de rua”, frisa ele.

“Tomamos como referência a Brigada Portinari, trazendo o movimento para o que estamos vivendo hoje. Naquela época, brigávamos pelo direito de votar. Atualmente brigamos para não perder o voto que demos. Brigamos pela democracia, em defesa do estado democrático de direito”, resgata ela.

Brigada Portinari - A Brigada Portinari, inspirada no movimento chileno, nasceu com um mural pintado na Rua da União, no Centro do Recife. Foi uma forma utilizada pelos artistas para aproximar a população da propaganda política. A ideia surgiu no comitê eleitoral do deputado federal Roberto Freire, do deputado estadual Hugo Martins e do advogado Carlos Eduardo Pereira, candidato a vereador. Estavam envolvidos nomes como Clériston Andrade, Cavani Rosas, Luciano Pinheiro, José Cláudio e Sergio Lemos. Mas a Brigada da Hora, diferentemente da Portinari, formou-se como apartidário. 

Cine Duarte Coelho - “A manifestação não é uma agressão à cidade de Olinda. Abandonado, o cinema está grafitado há muitos anos”, pontua Córdula. Inaugurado em 1942, o Cine Duarte Ceolho, atualmente em ruínas, segue abandonado, mesmo, em 2014, tendo tido o projeto de reforma no valor de R$ 4,7 milhões enviado para o Ministério do Planejamento como parte do conjunto de 14 obras previstas para reforma através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas. 

Amélia adianta que as próximas ações já estão sendo fechadas, a começar pelo Bairro do Recife, área central da capital. Mas ainda não é possível divulgar detalhes porque o grupo está aguardando autorização do proprietário do local. 

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Inspirados na Brigada Portinari, artistas do Recife e de Olinda criam a Brigada da Hora - Divulgação
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Inspirados na Brigada Portinari, artistas do Recife e de Olinda criam a Brigada da Hora - Divulgação
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Inspirados na Brigada Portinari, artistas do Recife e de Olinda criam a Brigada da Hora - Divulgação

 

Artistas - “Acho que a brigada representa uma necessidade de movimentação da classe artística. As perspectivas que se apresentam não são das mais agradáveis, os equipamentos públicos estão sucateados e a arte, posta como elemento decorativo. Acho que a brigada é um grito de posicionamento. Ainda estamos traçando os objetivos, começamos as conversas agora”, comenta o artista plástico Raoni Assis, idealizador da A Casa do Cachorro Preto e que, neste ano, assinou a decoração do Carnaval olindense.

“É a posição dos artistas para defender a democracia e também a cultura. O desmonte do governo tem sido algo que tem assustado. Estamos usando a arte para fazer a nossa parte, colocar o que a arte tem de lúdico para mostrar mais do que o lado político, mostrar também o lado humano das coisas. Você não pode ter um governo que não olhe para o povo”, provoca o arquiteto Demétrio Albuquerque, do Piauí. Ele fez parte da equipe que criou o monumento Tortura Nunca Mais, na Rua da Aurora, Centro do Recife.

Demétrio recordou, durante a entrevista, que a escultura era, a princípio, um pau de arara, tinha um tom mais político. Mas, quando ele começou a ir ao local para elaborar os desenhos, deparou-se com um grupo de meninos que cheiravam cola na área. O arquiteto deu lápis e papel às crianças e terminou mudando o monumento, transformado-o em uma pessoa em posição fetal, numa pegada mais humana. “Eu vi ali que a torturava continuava, e não era apenas a questão política. Tudo isso influencia as novas pessoas, as novas gerações. Nós queremos e brigamos pela lado que cuida”, lembra.

“Do mesmo jeito que, durante o AI 5 (Ato Institucional), o processo político mexeu com o trabalho dos artistas, o momento agora está mexendo com os artistas novamente. É um terreno fértil. É o momento para os artistas deixarem o ego de fora e trabalharem juntos por uma causa, usando a força de comunicação que temos para brigar pela democracia”, avalia Nando ZV, artista plásticos e tatuador.

História - Abelardo da Hora é autor de várias esculturas espalhadas pelo Recife e pela Região Metropolitana. Está presente, por exemplo, na praça do Clube Internacional, no Parque 13 de Maio e no Parque Dona Lindu. Filho de camponeses e nascido no Engenho Tiúma, em São Lourenço da Mata, também deixou marcas no cenário político e cultural.

Integrante do Partido Comunista a partir dos anos 1940, fez parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB), participou do Movimento de Cultura Popular (MCP) e foi preso diversas vezes durante o regime militar. Fez obras que chamam a atenção para a fome e as injustiças sociais. Fundou, com Hélio Feijó (1913-1991), a Sociedade de Arte Moderna do Recife (SAMR) e foi professor de vários artistas.

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