Há 50 anos, a Galeria Ranulpho é referência nos mercados de arte pernambucano e nacional. O empenho de seu fundador em consolidar a profissionalização do comércio de pinturas, esculturas, desenhos e outras linguagens artísticas fez com que nomes importantes das artes plásticas, assim como iniciantes, passassem pelo espaço. Parte dessa trajetória pode ser conferida na exposição que Carlos Ranulpho abre quinta-feira (11), às 19h, para marcar seus 90 anos, comemorados no próximo dia 29, destacando sua ligação afetiva com as obras e os artistas de seu acervo.
Ranulpho não se considerava um especialista em artes plásticas, apesar de o pai, J. Ranulpho, ser desenhista e caricaturista. Seu tino comercial fez com que fomentasse as produções de criadores de outros Estados, mas principalmente os pernambucanos. Na biografia escrita pelo jornalista Marcelo Pereira sobre Ranulpho, publicada pela Cepe Editora, ele é classificado como um “mercador da beleza”. O título é justo, uma vez que o marchand se dedicou ao ofício quando a atividade era conduzida de maneira informal no Recife.
Com 50 anos de atividades na área, Carlos Ranulpho observa sua trajetória no mercado da arte como bem-sucedida e explica que seu ofício vai além de vender obras de arte.
“Percorri um caminho que sempre me deu, e ainda hoje me dá, muitas alegrias e uma realização plena. Ser marchand é muito mais do que apenas comercializar obras de arte: diz respeito a ser um articulador entre os artistas e a sociedade. É uma profissão que lida diretamente com os artistas, seus processos criativos, mas também com as burocracias comuns ao mercado de arte e a própria profissionalização do artista enquanto um profissional, que deve ter condições dignas para se manter com o que produz e saber se relacionar com esse mercado”, reflete.
Por manter-se em atividade por tanto tempo, Ranulpho é também um símbolo de resistência em um mercado cada vez mais instável e em transformações velozes. Apesar dessas mudanças, a força de seu catálogo faz com que as obras em sua posse permaneçam valorizadas, mantendo vivo o legado de artistas seminais na história da arte brasileira, como Vicente do Rego Monteiro.
“Sou um dos únicos – se não o único – marchands com 90 anos de idade e ainda em atividade do mundo. Então testemunhei muitas mudanças nesses 50 anos de ofício, mas acredito que a essência da arte não se alterou. O que mudou foi a forma do consumo de arte, dos espaços culturais, a quantidade de informações a que as pessoas têm acesso hoje em dia. Como sempre trabalhei com grandes nomes da arte, nunca tive problemas em relação ao mercado. Um Vicente do Rego Monteiro será sempre um Vicente do Rego Monteiro. Seu valor é atemporal. Mas também sempre tive um olhar atento para artistas iniciantes com talento. Embora trabalhe com um mercado de nicho, que é a arte moderna e seus grandes representantes locais e nacionais, não me limito a isso. Ao mesmo tempo, criamos um nome de referência internacional quando se trata dos modernistas brasileiros, e isso é uma imensa honra”, aponta.
Vicente, inclusive, é um dos destaques da exposição, que conta no total com 15 quadros de dez artistas. São obras de seu acervo íntimo, cercadas de valor sentimental para o marchand. Ele revela que sempre tentou guardar os primeiros quadros que adquiriu dos artistas, como Juarez Machado, Reynaldo Fonseca e Lula Cardoso Ayres, até então mantidos na intimidade de sua casa. Outros nomes que compõem a mostra são Siron Franco, Milton da Costa, João Câmara, Alcides Santos e Rafael Guerra.
“Também tenho especial carinho pelas duas telas de Virgolino em que eu apareço. Éramos muito próximos e ele sempre muito brincalhão. No trabalho, seu bom humor nunca se separava da genialidade e do profissionalismo que vemos em suas obras. Eu apareço nas duas telas: primeiro como eu mesmo, observando ele pintar os quadros, como se eu estivesse esperando algum trabalho que havíamos combinado. E depois da representação que ele fez da Santa Ceia, com crianças vestindo camisas de times de futebol à mesa. Ele era tricolor e brincava com o fato de eu ser alvirrubro. Depois ele me disse, às gargalhadas, que havia me retratado com um Judas por estar vestindo a camisa do Náutico”, conta.