Gilvan Barreto abre exposição 'Sobremarinhos: Capitanias e Tiranias'

Em Fernando de Noronha, artista visual discute questões políticas do passado e do presente
Márcio Bastos
Publicado em 18/05/2019 às 8:00
Em Fernando de Noronha, artista visual discute questões políticas do passado e do presente Foto: Reprodução


Em seus trabalhos, o artista visual Gilvan Barreto articula discussões sobre as contradições presentes em nossa sociedade e mergulha na nossa história – passado e presente – na tentativa de encontrar junto ao público caminhos para combater as injustiças que permanecem. O olhar aguçado para as questões do agora deram origem à exposição Sobremarinhos: Capitanias e Tiranias, que é aberta sábado (18), no Memorial Miguel Arraes, em Fernando de Noronha. A mostra fica em cartaz até 18 de julho.

Um dos destinos turísticos mais cobiçados do país, o arquipélago pernambucano é preservado por necessárias leis ambientais. É também atravessado por momentos dolorosos da nossa história recente, como quando presos políticos foram encarcerados na ilha durante a ditadura militar, entre eles o governador deposto Miguel Arraes.

Por isso expor na ilha, em um espaço que leva o nome do ex-governador, tem conotação especial para Gilvan e dialoga com o conteúdo do trabalho.

“Não tem como não discutir o que está acontecendo no País e as obras refletem essas urgências. O título da exposição é totalmente voltado ao nosso momento histórico. Discorro sobre temas que já venho trabalhando, como o meio ambiente e as arbitrariedades do poder, até porque estamos vendo uma destruição da ciência, da natureza, da cultura, que são os principais alvos de Bolsonaro. Uma pergunta que faço é: quem vai proteger Noronha diante desse desmonte?”, pontua o artista.

As obras expostas são marcadas por cores fortes e subvertem símbolos nacionalistas, estabelecendo pontes entre o presente e o período ditatorial. Frases de tom ufanista, como “Nossos bosques têm mais vidas”, trecho do hino, ganham tons sombrios.

A impactante série Postcards From Brazil faz um mapeamento de regiões de beleza exuberante que foram cenários de crimes da ditadura. A partir de imagens de órgãos oficiais de turismo, Gilvan faz pequenos recortes, criando lacunas que revelam as atrocidades ocultadas. A série foi vencedora da última edição do Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger, na categoria Inovação e Experimentação na Fotografia.

Na série Tigrada, o fotógrafo faz menção aos oficiais de baixa patente que praticavam torturas, estupros e assassinatos durante os anos de chumbo. Esses militares utilizavam codinomes relacionados a animais, como Formiga, Mão de Onça, Cascavel, entre outros. Nas colagens de Barreto, se transformam em seres monstruosos, criaturas híbridas, com partes humanas e animais.

CONEXÕES

De caráter mais explícito, Cocorocas faz alusão ao episódio em que Bolsonaro foi multado por fiscais do Ibama ao pescar em área de preservação ambiental. Como uma linha do tempo, o artista tece conexões entre o capitão, o STF, o impeachment de Dilma, a exploração do meio ambiente, entre outros fatos que dominaram o noticiário nacional e ajudam a entender a situação política atual.

Reflexo do acirramento ideológico e da intolerância que chegaram ao auge nas eleições de 2018, a exposição causou tensões antes mesmo de ser aberta e a equipe relata ter sofrido ameaças. O artista, no entanto, contou com o apoio do Governo do Estado para garantir a integridade dos profissionais e da exposição.

“Não quero fazer uma crítica vazia. Todo o meu trabalho é baseado em pesquisas rigorosas e tem como base documentos, a exemplo dos produzidos pela Comissão da Verdade. Poder expor em um espaço que leva o nome de Miguel Arraes, um homem que não se curvou diante da ditadura militar, me enche de orgulho. Não podemos recuar neste momento”, enfatiza.

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