Em seus trabalhos, o artista visual Gilvan Barreto articula discussões sobre as contradições presentes em nossa sociedade e mergulha na nossa história – passado e presente – na tentativa de encontrar junto ao público caminhos para combater as injustiças que permanecem. O olhar aguçado para as questões do agora deram origem à exposição Sobremarinhos: Capitanias e Tiranias, que é aberta sábado (18), no Memorial Miguel Arraes, em Fernando de Noronha. A mostra fica em cartaz até 18 de julho.
Um dos destinos turísticos mais cobiçados do país, o arquipélago pernambucano é preservado por necessárias leis ambientais. É também atravessado por momentos dolorosos da nossa história recente, como quando presos políticos foram encarcerados na ilha durante a ditadura militar, entre eles o governador deposto Miguel Arraes.
Por isso expor na ilha, em um espaço que leva o nome do ex-governador, tem conotação especial para Gilvan e dialoga com o conteúdo do trabalho.
“Não tem como não discutir o que está acontecendo no País e as obras refletem essas urgências. O título da exposição é totalmente voltado ao nosso momento histórico. Discorro sobre temas que já venho trabalhando, como o meio ambiente e as arbitrariedades do poder, até porque estamos vendo uma destruição da ciência, da natureza, da cultura, que são os principais alvos de Bolsonaro. Uma pergunta que faço é: quem vai proteger Noronha diante desse desmonte?”, pontua o artista.
As obras expostas são marcadas por cores fortes e subvertem símbolos nacionalistas, estabelecendo pontes entre o presente e o período ditatorial. Frases de tom ufanista, como “Nossos bosques têm mais vidas”, trecho do hino, ganham tons sombrios.
A impactante série Postcards From Brazil faz um mapeamento de regiões de beleza exuberante que foram cenários de crimes da ditadura. A partir de imagens de órgãos oficiais de turismo, Gilvan faz pequenos recortes, criando lacunas que revelam as atrocidades ocultadas. A série foi vencedora da última edição do Prêmio Nacional de Fotografia Pierre Verger, na categoria Inovação e Experimentação na Fotografia.
Na série Tigrada, o fotógrafo faz menção aos oficiais de baixa patente que praticavam torturas, estupros e assassinatos durante os anos de chumbo. Esses militares utilizavam codinomes relacionados a animais, como Formiga, Mão de Onça, Cascavel, entre outros. Nas colagens de Barreto, se transformam em seres monstruosos, criaturas híbridas, com partes humanas e animais.
De caráter mais explícito, Cocorocas faz alusão ao episódio em que Bolsonaro foi multado por fiscais do Ibama ao pescar em área de preservação ambiental. Como uma linha do tempo, o artista tece conexões entre o capitão, o STF, o impeachment de Dilma, a exploração do meio ambiente, entre outros fatos que dominaram o noticiário nacional e ajudam a entender a situação política atual.
Reflexo do acirramento ideológico e da intolerância que chegaram ao auge nas eleições de 2018, a exposição causou tensões antes mesmo de ser aberta e a equipe relata ter sofrido ameaças. O artista, no entanto, contou com o apoio do Governo do Estado para garantir a integridade dos profissionais e da exposição.
“Não quero fazer uma crítica vazia. Todo o meu trabalho é baseado em pesquisas rigorosas e tem como base documentos, a exemplo dos produzidos pela Comissão da Verdade. Poder expor em um espaço que leva o nome de Miguel Arraes, um homem que não se curvou diante da ditadura militar, me enche de orgulho. Não podemos recuar neste momento”, enfatiza.