As lições de ternura deixadas por Eduardo Coutinho

Documentarista foi o principal cineasta do gênero no País
Ernesto Barros
Publicado em 03/02/2014 às 16:47
Documentarista foi o principal cineasta do gênero no País Foto: Videofilmes/Divulgação


O cinema documentário brasileiro pode ser dividido em duas épocas: antes de Eduardo Coutinho e depois de Eduardo Coutinho. Mas ele demorou muito tempo até encontrar a sua voz; ou melhor, a dos seus entrevistados. Ele tinha rara habilidade para fazer com que as pessoas, as mais simples, abrissem o coração e se revelassem para ele. 

Em As canções (2011), seu último longa-metragem, ele perguntava as pessoas qual a canção que havia marcado as suas vidas. Mesmo dentro de um estúdio, protegidos, homens e mulheres, bastante vividos, falavam e cantavam para aquela figura que estava sempre por perto, mas que nunca aparecia na tela. Na mirada dos olhos deles, dava para perceber a confiança que sentiam em Coutinho. 

“Eu não filmo apenas as pessoas, filmo uma relação entre mim e o outro lado. Filmar relações significar tornar as coisas eróticas. O filme é erótico, porque eu filmo relações, mas não porque a gente fala de sexo. É erótico no sentido mais amplo da palavra”, disse o cineasta, durante entrevista por telefone, em janeiro de 2012, na estreia de As canções, no Cinema da Fundação.

A gentileza, a simplicidade e a agudeza de suas observações só confirmavam o profundo comprometimento com que encarava cada um dos seus documentários (seus filmes de ficção, dos anos 1960, com o tempo pareciam haver sido feitos por outra pessoa). Ele poderia ter concluído seu primeiro filme há exatos 50 anos, quando veio a Pernambuco filmar a história do líder camponês João Pedro Teixeira, assassinado a mando de latifundiários, em 1961, na Paraíba.

Abortado pelo golpe militar, Cabra marcado para morrer só seria retomado 20 anos depois, em forma de documentário, com a saga de Elizabeth Teixeira e de Coutinho para fazer o filme, tornando-se sua matéria prima. Ainda esta semana, Coutinho havia se reunido com jornalistas e João Moreira Salles para a gravação de uma faixa de comentários para o lançamento do documentário em DVD.

Nos longos anos entre a tentativa de filmagem e a retomada de Cabra..., Coutinho encontrou um nicho para desenvolver seu talento de documentarista. Na segunda metade dos anos 1970, ele voltou ao Nordeste, principalmente a Pernambuco, e realizou vários documentários para o Globo Repórter, da TV Globo. Entre eles, destacam-se O pistoleiro de Serra Talhada (1976) e Teodorico, o imperador do Sertão (1978).

Mas sua grande obra ainda estava por vir. A partir dos anos 1990, ele realizou nove longas, onde pode olhar com seus olhos incisivos para os mais variados temas, da religião à política, das expectativas para o futuro às história de vidas de pessoas comuns. Desde O fio da memória (1991), passando por Babilônia 2000 (2000), Edifício Master (2002), até chegar a Jogo de cena (2007), Moscou (2009) e As canções (2011), os filmes de Eduardo Coutinho iluminaram o cinema brasileiro com olhar singelo e uma sensibilidade única, num corpo de obra marcado ao mesmo tempo pela ternura e pela inteligência. Coutinho era um cineasta tão especial, com um método tão cristalino, que sua estética impedia qualquer tentativa de absorção, o que significa dizer que ele não deixou nem herdeiros nem imitadores.

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