Quando achamos que conhecemos, um a um, os chefs que realmente interessam no mapa gastronômico da cidade, eis que surge um profissional nos convidando à indagação: “Como não percebemos esse cara antes?” Natural de Puerto Mandryn, na Argentina, formado pelo Instituto Argentino de Gastronomia, Miguel Castillo atuou com discrição em cozinhas locais. Agora, assume a cozinha do Nikko, o asiático-fusion-moderninho do grupo Spettus. E estreia com uma segurança técnica e criatividade incomuns.
Silenciosamente, ele reiventa o próprio Nikko. Se, no passado, o restaurante se notabilizou pelo uso de iguarias raras (e caras) importadas do Japão, agora, a criatividade do chef torna extraordinário o uso de ingredientes comuns. Como resultado, temos uma gastronomia surpreendente com o insumos mais ou menos conhecidos e, de quebra, financeiramente, mais acessível. No novo cardápio, há pratos principais com custo até de R$ 35, o que não é, realmente, caro, se levarmos em conta a excelência no serviço e o respeito pelos ingredientes do Nikko.
Não se trata, efetivamente, de um endereço para fazer uma refeição rápida e seguir para casa alimentado. O cardápio convida a um passeio. Começemos pelas entradas frias, departamento no qual, escoltados por um branco ou espumante honesto, podemos passar toda a noite.
Os pouco ceviches da casa mostram que há muitas possibilidades a serem acrescentadas ao bom binônimo de peixe e suco de limão em marinada. O ceviche clássico, de peixe branco (veja receita ao lado), tem um pouco de pasta de pimentão amarelo, com resultado de acidez mais controlada que de costume.
Moderno sem cacoetes e muito fidelizante é o tiradito de peixe branco no molho de limão, com ají amarelo, envolvendo uma adocidada gelatina de cebola caramelizada. De surpreender. Assim como o tiradito de salmão com inuspeitas raspas de molho ponzu congelado, uma gelatina de erva doce e nuvem de beterraba frita (R$ 34). Nem tanto pelo crustáceo, mas o tiradito de lagosta (R$ 68) ladeado por azeite de tomate de um lado e, do outro, um molho de coco com gengibre, coentro, açúcar mascavo, limão e caldo de lagosta é epifânico.
Durante a semana, o Nikko continua com seu serviço de rodízio (R$ 55, por pessoa), com a virtude de que tudo é preparado à medida em que é pedido. Mas recomenda-se checar as opções de menu confiance de várias etapas. É a possibilidade provar o (sublime) carpaccio de vieiras com manjericão roxo.
Nos quentes, o camarão gigante sauteado com nirá é estimulantemente picante. O tentáculo de polvco gigante com batatas é macio e ligeiramente perfumado com o chá verde usado em seu cozimento. O pad thai, com o macarrão de arroz fartamente guarnecido com camarões, legumes, amendoim e molho tailandês é elegante como o prato não costuma ser. As guiozás são um caso à parte. De massa fina (mas não transparente), podem vir recheadas com porco cozido lentamente em missô ou patto confit com um delicioso molho de mel.
No Nikko, Miguel parece reunir alguns dos elementos mais preciosos a distinguir um chef com a cozinha incrustrada no DNA daqueles que serão, apenas, bons reprodutores de receitas. Apresenta uma larga memória afetiva gustativa, senso de equilíbrio raro, ousadia com maturidade e uma segurança técnica recrutada a serviço de uma criatividade em permanente exercício. Bom para a cidade.
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