Da política real à política dos sentimentos. Os dois primeiros dias de exibição do Janela Internacional Cinema do Recife colocaram a produção audiovisual pernambucana no olho do furacão do aqui e agora, do presente e do passado. Dois curtas e dois longas-metragens, exibidos na sexta e no sábado, mostraram para uma multidão, no Cinema São Luiz, que as imagens – sempre elas – falam mais do que mil palavras. As sessões de Sem coração, Brasil S/A e Permanência provaram, mais uma vez, que o cinema local vive um dos momentos mais ricos de sua história.
No sábado, antes de Permanência, o público foi brindado com a exibição de Se pintar colou (1981), de Ivan Cordeiro, um novo resgate do movimento Super 8, o primeiro de três filmes programados para o Janela. Feito para divulgar uma exposição de outdoor, o curta é uma ode à liberdade criativa da “bitola nanica”, como frisou Ivan, cujas imagens do Recife de 33 anos atrás ainda têm o poder de cativar.
No ano passado, o cineasta já havia restaurado Sem censura, o curta em que registrou o fim dos cinemas de bairros do Recife, em 1980. Na quinta, a vez será de Se colar olhou (1981), também de Ivan. No próximo domingo, antes da sessão do encerramento do festival, o homenageado será o cineasta, poeta e agitador cultural Jomard Muniz de Britto, com a exibição de Noturno em Ré-cife maior (1981), outro clássico do Super 8 pernambucano.
Com passagens pela Première Brasil, do Festival do Rio, e pela Mostra Brasil, da Mostra de São Paulo, Permanência era um dos filmes mais esperados do Janela. Como indicava o boca a boca, a primeira exibição recifense do longa de estreia Leonardo Lacca tocou o fundo a plateia. Pelo que indicava o curta Décimo segundo, que o cineasta realizara em 2007 como um laboratório para o longa, Permanência é um sensível estudo sobre a paixão amorosa e as marcas indeléveis que os ex-amantes carregam vida afora.
Ivo (Irandhir Santos, em outra interpretação lapidar) é um fotógrafo pernambucano que chega em São Paulo para acompanhar sua primeira exposição individual. Embora possa ficar hospedado em um hotel, ele prefere ficar no apartamento de Rita (Rita Carelli), uma ex-namorada, agora casada com o arquiteto Mauro (Sílvio Restiffe). Apesar de Ivo ainda nutrir sentimentos por Rita, os dois já estão em novas relações e a paixão que os unia caminha irremediavelmente para o esquecimento. Arisco para com os paulistas, que tratam nordestinos como aliens de sotaque reconhecível na primeira frase, Ivo tateia no escuro da perda inevitável ao constatar que Rita nem ele tem mais o dizer um para o outro.
Econômico nas palavras e eloquente nas imagens, Leonardo fez um filme que surpreende sobretudo pela direção segura e a tristeza latente dos seus personagens. No final da sessão, muitos espectadores confessaram o impacto emocional de Permanência. “Eu queria me controlar e de repente comecei a chorar. Precisei me recuperar e segurar a onda, porque o filme me tocou profundamente”, confessou a atriz Maeve Jinkings.
Esse clima de fortes emoções foi semelhante à recepção do curta Sem coração, de Nara Normande e Tião, exibido na sexta-feira, na abertura do festival. A história do menino da cidade, que se apaixona por uma menina do interior abusada pelos coleguinhas, deixou Ivan Cordeiro extasiado. “É um filme poético, simples e complexo”, definiu.
No final da noite, a Competição de Longas-metragens do Janela foi aberta com a alegoria política Brasil S/A, de Marcelo Pedroso. As caprichadas e grandiosas imagens de filme, que contrapõem as ideais de modernidade e progresso do País, bateram na tela do São Luiz com força bruta. Os esquetes do caminhão-cegonha, da descoberta de petróleo em Marte e dos moradores de um condomínio de luxo abduzidos pelo sol do progresso deram o que falar. “Esse filmes são maravilhosos e representam o melhor do cinema brasileiro”, afirmou o cineasta Cláudio Assis, logo após a sessão de Brasil S/A.