"Eis, enfim, um filme de fato histórico", disse Rafael de Luna, professor da UFRJ. E, com efeito, Chatô, o Rei do Brasil não é apenas sobre um personagem ou um momento da história do Brasil. É também um acontecimento da história do nosso cinema. Entre seu anúncio inicial e seu lançamento transcorreram uns 20 anos.
Esses 20 anos foram de dúvidas, acusações de irresponsabilidade, megalomania, roubo. Mais do que isso, para um trabalho tão truncado, podia-se esperar o pior.
Pois aí é que está a surpresa. Chatô pode ter mais um sentido histórico, embora menos relevante: é a primeira vez que se faz, de um livro de Fernando Morais, uma adaptação decente.
E Assis Chateaubriand não é um personagem dos mais fáceis. Esse Cidadão Kane à brasileira ocupa um período histórico amplo: nele cabem a Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964, a imprensa, a TV, o rádio.
E, nisso tudo, Chateaubriand entra com uma personalidade particular (como um jagunço sofisticado), como sintoma e efeito do atraso brasileiro, como visionário e chantagista, como um tipo dionisíaco.
Ao mesmo tempo era alguém que não perdeu, nem por um segundo, e da pior maneira possível, a percepção do jornalismo como modo de manipulação a ser exercido da pior maneira possível - como poder pessoal a serviço de projetos pessoais. E, no entanto, esses projetos não raro coincidiam com o que de melhor podia ser feito para o país (o Masp, por exemplo).
Como sintetizar a trajetória desse homem de muitas vidas não era fácil, Guilherme Fontes encontrou um modo eficaz e moderno de fazê-lo: suprimindo a cronologia em favor do modo de ação.
Isto é, conhecemos Chateaubriand não pela sequência dos acontecimentos em que se envolveu, mas pela natureza de suas ideias - as melhores e as piores.
Se, por um lado, Fontes conseguiu dar conta desse personagem complexo, teve ainda a gentileza de nos libertar do tipo de narrativa histórica lamentavelmente quadrada a que nos tem condenado habitualmente o cinema brasileiro. E, apesar de todos os tropeços, criou um filme bem atual.