No futebol, brasileiros e argentinos gostam de brincar de rivais: os torcedores de cada país puxam a sardinha para cada lado e comparam seus craques – Pelé é melhor do Maradona, Messi é melhor do que Pelé e por aí vai... Mas, no cinema, à parte o complexo de inferioridade de que os roteiros dos filmes argentinos são melhores do que os dos brasileiros, a relação é de muito amor. A prova viva é a cineasta Lucrecia Martel, 50 anos, uma das maiores vozes do cinema argentino e mundial feito neste século. Por mais de uma vez, ela disse que ama o Brasil.
Após visitar várias cidades brasileiras, Lucrécia havia prometido vir ao Recife no ano passado, mas só concretizou a vinda este ano. Nesta sexta-feira (3/11), a cineasta apresenta seu mais novo longa-metragem, o drama histórico Zama, na abertura do 10º Janela Internacional de Cinema do Recife, às 21h no São Luiz. Coprodução multinacional entre 10 países, um dos quais a Espanha (a produtora de Pedro Almodóvar) e o Brasil (a Bananeira Filmes, da mineira Vânia Catani), Zama estreou no Festival de Veneza, em agosto.
Além dele, os filmes anteriores de Lucrecia – O Pântano (2001), A Menina Santa (2004) e A Mulher Sem Cabeça (2009) – também serão exibidos. O auge da sua presença no Recife acontece amanhã, às 11h, no Cinema da Fundação/Museu, onde será realizado o evento Um Encontro com Lucrecia Martel. A partir de trechos dos seus filmes, ela vai explicar alguns segredos do seu cinema que, em quatro longas-metragens, causou impacto em todo o mundo, especialmente na América Latina, que ganhou um interesse bem maior graças a sua obra.
Zama, ao contrário do filmes anteriores, tem um arranjo mercadológico de maior alcance e foi adaptado do romance homônimo de Antonio di Benedetto, publicado em 1956. Pela primeira vez, Lucrecia recorre a um material previamente existente e não a seus roteiros originais. Outra diferença é que o escopo é mais épico. Zama é um romance de época, ambientado no século 18, que narra a história de Dom Diego (o ator espanhol Daniel Gimenez Cacho, de Má Educação e E Sua Mãe Também), um funcionário burocrata da coroa que vive num povoado isolado, esperando que seja transferido para Buenos Aires. De tanto esperar, ele acaba tendo um rompante de agonia e se une a um bando de forasteiros para sair daquele lugar. O seu antagonista é o brasileiro Matheus Nachtergaele. A brasiliense Mariana Nunes (Febre do Rato) também está no filme.
O Pântano e A Mulher Sem Cabeça, restaurados recentemente, e A Menina Santa (exibido em gloriosa cópia 35mm), há muito tempo longe das telas, devem impressionar ainda mais aos espectadores, especialmente a quem nunca os assistiu no cinema. Munida de um grande sensibilidade para expor as angústias femininas, de qualquer idade e com um grande apelo sensorial, Lucrecia erigiu um cinema com uma personalidade muito própria, aliada a um coragem em tocar em temas espinhosos, como no audacioso A Menina Santa, que parece feito para comentar as denúncias de agressão contra as mulheres que pipocam diariamente.