Nos anos 1960, John Paul Getty foi o homem mais rico do mundo – talvez dos ricos a já ter vivido até então. Um dos primeiros a ultrapassar a marca dos bilhões de dólares em posses, era uma pessoa mesquinha de forma quase caricatural. Chegou a instalar, por exemplo, um orelhão dentro da sua casa para que as visitas pagassem por suas ligações.
Quando soube que seu neto de 16 anos John Paul Getty III havia sido sequestrado e só seria solto mediante pagamento de U$ 17 milhões, o patriarca Getty logo procurou a imprensa para dar uma declaração. Disse que não pagaria resgate nenhum porque tinha 14 netos, e pagar esse montante seria colocar todos os demais (e sua fortuna) em risco. É ao redor desse calculismo cruel e do sofrimento de uma mãe que gira o novo filme de Ridley Scott, Todo o Dinheiro do Mundo, que estreia quinta (25) nos cinemas do Recife.
A produção do thriller foi atravessada por polêmicas. Um mês antes do lançamento, houve o afastamento do ator Kevin Spacey, acusado de assédio sexual. Christopher Plummer assumiu o papel de John Paul Getty com firmeza, em uma atuação que já lhe valeu a indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante – ainda que o seu personagem seja figura incontornável na obra. Após isso, várias cenas foram refilmadas, e aí surgiu outra polêmica: o cachê pago a Mark Wahlberg, que interpreta Fletcher Chase, uma espécie de faz-tudo e negociador de Getty, para as novas cenas, foi 1,5 mil vezes maior que o de Michelle Williams, que vive a mãe de Paul III, Gail Harris. Wahlberg terminou doando o cachê para a Time's Up, que auxilia vítimas de assédio.
Todo o Dinheiro do Mundo se apoia na veracidade dos seus fatos para construir uma trama frenética. De início, a polícia e o patriarca acreditam que o próprio neto forjou o sequestro para arrancar dinheiro. A mãe, como é de se esperar, fica envolta em desespero. É ela que precisa atender as ligações dos raptores - e, mesmo que, como qualquer boa mãe, esteja disposta a pagar o que for preciso, não tem nem de perto a quantia necessária.
Como uma boa história de crime, Todo o Dinheiro do Mundo mantém o espectador atento as suas idas e vindas e reviravoltas, ainda que insira clichês aqui e ali. O filme mescla a biografia de Getty, as cenas do cativeiro de Paul III (Charlie Plummer) e a tensa relação entre uma mãe que, compreensivelmente, só fala a linguagem do amor e do desespero e um homem que só se comunica através do dinheiro. Fletcher, nesse último núcleo, é uma espécie de mediador – seu personagem parece uma típica criação para facilitar o andamento do roteiro e, justamente por isso, é o menos marcante do trio principal.
Mais do que um homem que possuía dinheiro, Getty é apresentado como um homem possuído pelo dinheiro. Sua lógica – perversa até para os mais cínicos – revela uma pessoa disposta a tratar todos as relações de sua vida como negociações hostis, momentos em que alguém vai tirar vantagem do outro. Não ter afeto ou apego a nada (exceto à vitória) o faz está sempre em uma posição mais confortável. Tanto quanto o dinheiro, é a sensação de ser capaz de subjugar o outro que o alimenta.
De certo modo, Todo o Dinheiro do Mundo traz esse lado de discurso contra a avareza. Seria uma narrativa simplista se o filme não tivesse suas bases na realidade: Getty é quase um exemplo didático do pior lado da ambição. Justamente pelo bilionário ser alguém tão perfeito para a crítica que Ridley Scott faz, algumas liberdades ficcionais da obra parecem desnecessárias e tornam eventos convenientes demais para a narrativa – já ilustrativa e envolvente por si só.
Por fim, na era do empreendedorismo a qualquer custo nos moldes de discurso motivacional e autoajuda, é irônica a cena em que o bilionário explica como escolheu o título de um dos seus livros, Como Ser Rico. A editora queria que se chamasse Como Ficar Rico, mas ele argumenta: qualquer idiota pode ficar rico, a questão é saber manter-se rico. Para manter-se rico, alguém poderia pensar, é preciso pegar orelhões para visitas, desprezar a própria família e, claro, blefar com a vida do próprio neto.