O que Batman e Norman Bates (protagonista de Psicose, a mais aclamada obra de Alfred Hitchcock) têm em comum? A conexão pode parecer insana, afinal, um é herói e o outro é assassino, todavia, ambos são personagens atormentados, possuem certo comportamento desviante e tiveram infâncias conturbadas. Foi isso que enxergou o paulista Elvis delBagno, criador do filme Um Conto de Batman: Na Psicose do Ventríloquo, que faz uma analogia à sociedade brasileira moderna. Tendo concorrido em duas categorias ao Fan Film Awards 2018, realizado em Los Angeles, nos Estados Unidos, no último dia 9, o Conto, disponível no Vimeo, é considerado o primeiro Fan Film do Batman do mundo no formato longa-metragem.
Do personagem imortalizado por Anthony Perkins em 1961, Elvis também tirou a ideia para usar o Ventríloquo como vilão, o que também era uma forma de apresentar uma versão de outro inimigo do Homem-Morcego que não fosse o Coringa. Nesse caso, a ligação com o clássico do terror psicológico fica mais clara: Norman Bates tem dupla personalidade. Ele fala e age como a mãe que ele mesmo assassinou. Do mesmo transtorno dissociativo sofre Ventríloquo, codinome de Arnold Wesker – que ganhou notoriedade no desenho animado Batman: A Série Animada, de 1993. O homem assume a identidade do seu boneco de madeira, Scarface, que atua como um gângster dos anos 1920, acreditando ser o próprio Al Capone e controlando o tráfico na sombria cidade de Gotham.
Feita essa associação, ficou fácil para o diretor definir a ambiência do filme, que apesar do baixo orçamento, traz uma bela fotografia com estilo noir. Ou seja, com locações exóticas, cenários urbanos e iluminações contrastadas e expressivas, marcadas por um ponto de luz em meio às sombras. O que, atrelado ao tom investigativo/mafioso dos seus personagens corrobora para o ar de mistério (ampliado por ângulos e enquadramentos inusitados) da trama.
Alia-se ainda ao clima noir a narrativa em off, o flashback e a presença da femme fatale. “A iluminação determina o tom emocional dos personagens e cenários, dando um caráter adequado às cenas. Isso também camufla um pouco a precariedade da produção”, explicou Elvis, revelando que tirou R$ 100 mil do próprio bolso para produzir o longa, sem contar com nenhum suporte financeiro.
Não é à toa que o longa-metragem foi indicado nas categorias Melhor Fotografia e Melhor Diretor. Elvis, que em 2010 se formou em Cinema pela Universidade Anhembi Morumbi, de São Paulo, tocou o projeto praticamente sozinho ao longo de quatro anos, de 2010 a 2014 – Sim, em alguns festivais, como o Fan Film Awards, que está em seu quarto ano, não há prazo para a inscrição de trabalhos (o que é ótimo para os idealizadores, geralmente carentes de boa distribuição). “Às vezes ficava no set apenas eu, um ajudante e o ator. Como era muito trabalhoso e as pessoas tinham outras coisas para fazer, acabavam abandonando o projeto. Tem muitos nomes nos créditos, mas isso porque transitei por muitas pessoas”, revelou o diretor, ressaltando que precisou refilmar algumas cenas por desistência de ator. “Até para fazer uma máscara levei muito tempo porque não encontrava os profissionais certos”.
Apesar de não ter levado esses prêmios para casa, Elvis já venceu em outros três festivais. No Indie Gathering International Film Festival, foi na categoria Melhor Filme Estrangeiro; no The Scare-A-Con Film Festival, como Melhor Fotografia; e no PollyGrind Underground Film Festival of Las Vegas, Melhor Filme de Super-Herói. Todas essas premiações ocorreram em 2014. Feliz pelo reconhecimento que tem adquirido nos últimos quatro anos no exterior, o diretor, entretanto, mostra-se insatisfeito com a falta de espaço no Brasil. “Nunca participei de nenhum festival aqui. Não sei se é porque meus filmes são meio estranhos, com toques de surrealismo. No começo achei que participaria de um festival para filmes de gênero fantástico, e quando não fui selecionado me decepcionei bastante”, desabafou.
De fato, o longa causa certo estranhamento, sobretudo para quem está acostumado com o formato “hollywoodiano” da coisa, com mais ação e explosões. O filme de Elvis exige um espectador mais paciente e atento aos detalhes. Às referências à cultura pop, às longas pausas e às simbologias por trás do silêncio. Com relação à estética, a obra acerta em cheio ao flertar com o cinema de David Lynch e seu mundo dos sonhos em tons de vermelho. Assim como quando, tratando-se da técnica, referencia Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, ao usar uma lente angular em close para causar uma distorção nos rostos dos personagens e, assim, alongá-los.
O ponto baixo do filme, entretanto, vai para o descomedimento de frases de efeito e para algumas interpretações caricatas, “teatrais” demais. Seus quase 90 minutos podem muito bem se arrastarem para quem não estiver disposto a refletir e até mesmo a filosofar com essa espécie de Batman brasileiro que lida com os seus conflitos internos ao som de Raul Seixas.
A seu modo, Na Psicose do Ventríloquo faz jus ao tom psicológico e sombrio d’A Piada Mortal, graphic novel escrita por Alan Moore que serviu como base para a criação da sua paleta de cores. Mas talvez uma montagem no formato média-metragem fosse para melhor.
Assista ao filme:
A Batman's Tale: (Um Conto De Batman: Na Psicose Do Ventriloquo) FAN FILM from Elvis Vive Produções on Vimeo.
Batman Fan Film Brazil (2014)