Cinema de animação em Pernambuco tem sua história contada

O pesquisador e realizador Marcos Buccini fez estudo inédito e extenso sobra animação pernambucana, dando origem a livro sobre o tema
Rostand Tiago
Publicado em 05/06/2018 às 9:06
Animações pernambucanas marcam presença no acervo online da Cinemateca Foto: Foto:Divulgação


Pesquisadores e entusiastas do cinema pernambucano dispõem de um bom acervo bibliográfico para se aprofundar em questões historiográficas e estilísticas da produção local durante os anos, desde o chamado "ciclo do Recife", na década de 1920, até a atualidade. Entretanto, ainda há lacunas na história de algumas formas específicas, talvez até marginais em contextos geográficos, de se fazer cinema, mas que vêm sendo preenchidas, tanto fora, como dentro do ambiente acadêmico.

A falta de material sobre o cinema de animação no estado lhe coloca nessa categoria, entretanto, hoje bem menos. O professor e realizador Marcos Buccini lançou a última quinta-feira, no Cine PE, seu livro História do Cinema de Animação em Pernambuco (Serifa Fina), resultado de sua pesquisa inédita, em que cataloga 267 animações consideradas pernambucanas, que vão desde as experimentações do Ciclo do Super-8 Pernambucano da década de 1970 até populares animações infantis da atualidade, como o Mundo Bita.

Mesmo partindo de sua tese de doutorado, o livro, que já teve um lançamento na última Bienal do Livro, é conduzido com uma linguagem acessível, sem academicismos complicados. "Não uso uma linguagem rebuscada nem na própria tese. A diferença entre os dois é que no livro eu busquei diluir mais questões teóricas, ou até mesmo eliminar alguns pontos, para o foco mesmo seja na história", explica Buccini. Segundo ele, o gatilho para a pesquisa foi uma monografia de uma ex-aluna, Christiane Quaresma, para a conclusão do curso de Design, em que discorria sobre animações no Ciclo do Super-8.

Dentro dessa proposta de acessibilidade, a primeira parte do livro é dedicada para uma contextualização geral da animação, passando brevemente por sua história global e nacional, além de uma abordagem sobre técnicas e teoria. A partir daí, Buccini vai entrar nas produções pernambucanas, se preocupando também em elucidar contextos históricos e direcionamentos estilísticos, além de pontuar sobre festivais que permitiram uma maior difusão do segmento e iniciativas voltadas para formação de animadores.

A história relatada nas 288 páginas em alguns pontos se encontra com a própria história de Marcos, que já realizou algumas animações. Essa inserção do autor no próprio contexto facilitou um pouco o acesso a informações e pessoas, mas o trabalho ainda foi árduo. "A dificuldade é porque trata-se da primeira pesquisa nesse sentido, os livros de história do cinema pernambucano citam rapidamente as animações e as matérias jornalísticas são bem casuais. Foi um trabalho bem arqueológico para descobrir os filmes, procurando em catálogos de festivais e nas próprias entrevistas", relata Buccini.

Os próprios filmes, depois de conhecida suas existências, apresentaram dificuldades em serem vistos, seja com películas deterioradas ou perdidas, até mesmo produções em vídeos e digitais em que não se teve o cuidado de se armazenar bem as cópias, como backups. Para Buccini, a situação começa a mudar em relação ao cuidado com a preservação dos materiais. "Aqui no estado, com certeza estamos começando a ter um cuidado maior, principalmente com iniciativas como a da Cinemateca Pernambucana, que está realmente catalogando e conservando esses filmes. Pesquisas também estão sendo feitas nessa área da historiografia. Estamos mais conscientes e com mais condições de preservar", afirma.

Rumos animadores

Com a chegada do novo século até o momento atual, o número de animações e animadores aumenta significativamente e os motivos são tão diversificados quanto os direcionamentos das novas produções. Um dos pontos a ser superados era a questão tecnológica da feitura dos projetos. O trabalho em película, por exemplo, apresentava custos elevados, não sendo tão acessível e o vídeo analógico, apesar de mais acessível, apresenta dificuldades de manipulação para o processo de animação. “Se não fosse o meio digital e o computador, ainda estaríamos engatinhando com essas produções. Hoje, você sozinho consegue fazer uma animação", afirma Marcos.

A chegada dos editais, dos anos 90 para cá, também foi outro facilitador para os realizadores, dando as condições necessárias e mostrando que é possível haver algum retorno financeiro na área. Já na parte da exibição dos trabalhos, os festivais, como o Animage, foram se constituindo como um dos mais importantes escoadouros dos filmes, fazendo a ponte com o público. "Mesmo com a internet, os festivais continuam tendo um papel muito importante na questão da exibição, principalmente por causa de fatores como a curadoria e as premiações, que, de certa forma, acabam por dar uma legitimidade para os filmes. Ainda tem a questão de colocar os autores em contato um com o outro, permitindo a troca de ideias", diz Buccini.

Entretanto, as facilidades de produção e exibição pouco adiantam sem a presença de pessoas que as saibam utilizar. Durante a história, vemos um grande número de casos de animadores autodidatas que, mesmo que dotados de boas ideias, acabam sendo limitados pela falta de conhecimento da técnica. De olho nisso, algumas iniciativas de formação acabam surgindo, dando vida à novas gerações de animadores.

Nesse sentido, Lula Gonzaga, que já era um dos pioneiros da produção pernambucana há mais de 40 anos, quando realizou com Fernando Spencer a obra Vendo/Ouvindo, marco na história local, foi também um dos pioneiros na capacitação de novos profissionais da área. Em 1994, Gonzaga, depois de experiências fora do estado e do país, montou uma oficina de animação em Igarassu, mais especificamente em uma sala da Igreja Nossa Senhora do Livramento que, em seus seis anos de duração, fez de jovens estudantes os principais nomes da nova geração de animadores que marcariam seu espaço nos anos 2000, como André Rodrigues, Antero Assis e Rafael Barradas.

A semente de Gonzaga germinou e Buccini aponta que hoje, há várias rotas para o caminho da formação de animadores. "O próprio Lula continua com oficinas, o Governo do Estado, por meio do Funcultura, também possibilita outras, o Portomídia capacita e oferece estrutura. Até mesmo produtoras oferecem cursos de graça por ter dificuldades em conseguir mão de obra. O ideal agora é o surgimento de cursos tecnólogos na área, que abordem questões estéticas, porém focando mais na prática, sinto falta disso aqui". O cenário vem sendo cada vez mais animador, levando a objetivos mais ambicioso, como a produção de vindouros longa-metragens que, para Marcos, devem estar a dois ou três anos de distância.

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