Aos 76 anos e com dezenas de obras no currículo, Werner Herzog não dá pinta de que vai parar tão cedo de dirigir, atuar e viajar. Sua mais nova aventura é Family Romance, LLC, baseado numa empresa japonesa que aluga pessoas para posar como membros da família, filmado em Tóquio.
"Quando Roc Morin, hoje um produtor do filme, me apresentou essa ideia, eu tive a sensação de que era grande e de que precisava tratar disso, imediatamente", disse Herzog em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo durante o Festival de Cannes, que apresenta o filme em sessão especial. "Não fui só eu, Hollywood também estava atrás, inclusive o Steven Spielberg. Só que eles se movem devagar, e eu sou rápido."
O longa borra as fronteiras com o documentário, trazendo o próprio dono da companhia, Yuichi Ishii, como protagonista, um homem contratado para se passar por pai de uma menina de 12 anos e também pai de uma noiva durante a cerimônia de casamento.
A seguir, os principais trechos da entrevista do cineasta alemão radicado em Los Angeles, que participa do ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, em setembro, em Porto Alegre.
- Quais foram os desafios de filmar no Japão, em japonês?
Nenhum. Eu sempre tive curiosidade pela cultura japonesa e tinha trabalhado lá antes, numa ópera. Mas para mim foi fácil, os diálogos vieram muito naturalmente. Rodei só 300 minutos no total.
- Você é um globetrotter, filmando no mundo todo.
Não diga isso, não quero ir parar no livro dos recordes! Minha casa é Los Angeles, não por causa da indústria cinematográfica, mas porque estou bem-casado lá. Gostaria de ir a muitos lugares, inclusive à Estação Espacial Internacional. Também adoraria estar na primeira missão a Marte. Não deveríamos colonizar Marte, mas deveríamos mandar cientistas, além de um poeta - função para a qual eu me voluntário.
- Pensou alguma vez em contratar um membro da família?
Eu tive de chamar uma babá para cuidar do meu filho, então é parecido. Mas Family Romance tem a ver com solidão existencial. Não é uma coisa japonesa exótica, eles só estão na vanguarda. Há robôs sendo desenvolvidos para ser companhia emocional. Eles sabem ler mais de 800 expressões faciais. Isso está no horizonte
- Não teme um cenário à ‘O Exterminador do Futuro’?
Não vi O Exterminador do Futuro. É só um filme. Dá para desligar a máquina da tomada (risos). Claro que devemos ter consciência de que a inteligência artificial está se desenvolvendo rapidamente, mas acho excitante.
- Você financiou o filme com seu próprio dinheiro. Gostaria de ter um financiamento de Hollywood?
Não preciso de Hollywood para fazer bons filmes. Mas aqui eu queria fazer algo mais na linha de Aguirre, quando morávamos em jangadas e não sabíamos o que íamos encontrar na próxima curva do rio. O que me ajuda são papéis em coisas como The Mandalorian (série baseada no universo 'Star Wars' que estreia no serviço de streaming a ser lançado pela Disney). A única coisa que não fiz para ganhar dinheiro foi roubar bancos.
- Por que quis fazer 'The Mandalorian'?
Fui convidado, mas não tinha ideia do que era isso e tinha uma noção muito vaga do que Star Wars trata. Li o roteiro e achei o papel interessante. É bom de vez em quando estar do outro lado da câmera, seguindo as instruções de um diretor que não é você. Como foi com Jack Reacher - O Último Tiro, em que fazia alguém que espalhava o terror. Pensei: "Eu posso fazer isso!". Como pessoa não sou assim, mas entro fácil no personagem. Como minha mulher pode testemunhar, sou um marido fofinho.
- Como vê o estado da indústria, com streaming e franquias?
Não sei muito da indústria. As franquias devem sobreviver mais tempo porque ganham muito dinheiro vendendo brinquedos. Os médios é que vão desaparecer. Mas dá para fazer um filme com menos de US$ 20 mil. Dá para filmar com o telefone. Há novas formas de distribuição, como YouTube e Netflix. O meu trabalho mais visto é um vídeo falando dos perigos de ficar no celular enquanto se dirige um carro, que está no YouTube.