Leminski ganha edição com sua poesia completa

Obra que alcançou a lista de mais vendidos na semana passada mostra a popularidade do autor curitibano entre leitores e poetas contemporâneos
Diogo Guedes
Publicado em 31/03/2013 às 5:37
Obra que alcançou a lista de mais vendidos na semana passada mostra a popularidade do autor curitibano entre leitores e poetas contemporâneos Foto: Reprodução


“Importar é o que importa”, escreveu certa vez o samurai-poeta curitibano Paulo Leminski, em uma de suas cartas quase versificadas para o poeta Régis Bonvicino. A frase era uma confissão ao amigo pós-concretista, dizendo que estava cansado de trabalhar com a “informação fechada, intratável” das vanguardas e da experimentação. “Quero ser agora um útil operário do signo, falar as coisas que interessam às pessoas”, dizia.

Durante as décadas de 1970 e 1980, Leminski, filho de pai polonês e mãe negra, seria uma espécie de ícone e síntese discordante do que se passava na poesia brasileira. Polemista, performático e erudito, era famoso já na altura da sua morte precoce, em 1989, vítima de uma cirrose – em 1983, seu livro Caprichos e relaxos já havia sido a obra de poesia mais vendida no Brasil. É fácil notar que, ainda hoje – brincando com suas próprias palavras – ele “importa”: Toda poesia, reunião dos seus versos publicada pela Companhia das Letras, atingiu na semana passada a sétima posição na lista dos mais vendidos de ficção, encabeçada por best-sellers previsíveis como Cinquenta tons de cinza, com mais 1,7 mil exemplares comercializados.

Ícone poético e popular, Leminski ocupou um espaço único no contexto literário da sua época. Foi influenciado pelos concretistas e pelo experimentalismo no seu primeiro livro, Catatau, mas as vanguardas tiveram presença forte também na sua poesia. Ao mesmo tempo, também passou a reunir elementos de outro grupo da época, a poesia marginal carioca, com seus poemas de linguagem (e tom) leve.

Entender Leminski, no entanto, não étão simples; não basta simplesmente apontar que Leminski conciliava os dois polos e, por isso, tinha uma obra tão particular. Talvez seja o exato oposto a essa ideia de “conciliação” que criou a sua poética: como alguns dos grandes poetas, o “samurai-malandro” era um estrangeiro, um deslocado em qualquer um desses extremos. Tinha um interesse demais nos elementos formais da poesia para ser marginal, era informal e iconoclástico demais para pertencer às vanguardas, já estabelecidas naquele momento como uma tradição da ruptura. Só os que estão inadaptados – e Leminski estava duplamente – podem criar uma poética que soa com tanta sinceridade e que é diferente em territórios em que todos são parecidos.

REFERÊNCIA
Não são só os leitores que levaram o livro à lista dos mais vendidos que reconhecem a atualidade de Leminski – também a poesia contemporânea reconhece sua importância a influência. O jornalista e poeta paulista Ademir Assunção, autor de Faróis no caos, lembra bem o choque que foi ver os primeiros livros do curitibano e de outro poeta da geração, Torquato Neto. “Havia uma eletricidade, uma urgência, uma atualidade e uma rebeldia na escrita que eu não via nos outros poetas”, destaca.

A poeta paranaense Ana Guadalupe, autora do livro Relógio de pulso, aponta que a obra de Leminski continua sendo uma referência importante. “Acho que tudo (ou quase tudo) na poética dele permanece atual. Fascina porque tinha/tem voz própria, com características que exercitou do começo ao fim – o leitor é capaz de reconhecer a dicção de Leminski nos poemas, como o som de uma banda preferida”, destaca, citando também a sua capacidade de mostrar “o lado mais coloquial e bem-humorado (e as infinitas possibilidades) da poesia” – elemento que se reflete também nos versos da paraense.

Outro autor contemporâneo, poeta Ricardo Domeneck, paulista radicado em Berlim, já destacou, em texto para a revista Modo de usar, traços como a comunicabilidade de Leminski com o leitor. “O que nos interessa em Paulo Leminski, o que nos parece útil como jovens poetas, é justamente sua capacidade inigualável de manter uma alta qualidade composicional, sem perder de vista o leitor com quem estabelece a sua poesia (...). Também por um motivo importante: Paulo Leminski fazia tudo com fúria e humor”. Fúria e humor, adjetivos justos para um samurai polaco, bandido e poliglota, entre muitos outros Leminskis possíveis de descrever.

Leia mais no Caderno C do Jornal do Commercio deste domingo (31/3).

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