O pintor João Câmara, aos 69 anos, mal se acomoda na cadeira antes de confessar: todo mundo tem um romance secando dentro de si. A frase não espanta quem acompanha o artista paraibano radicado em Pernambuco há muito tempo, sem dúvida um dos mais fortemente ligados à literatura – Câmara, além de produzir ensaios e até mesmo uma espécie de autobiografia artística, já criou diversos quadros baseados em Proust, Joyce, Balzac e Melville. O romance que está preso dentro do pintor ainda não veio, mas a sua primeira investida fora do campos das artes plásticas será mostrada ao público agora.
Trata-se do conto ilustrado Abishag, hóspede inevitável, volume com 48 páginas que Câmara vai lançar no dia 22 deste mês na programação do festival A Letra e a Voz, no Museu Murillo La Greca. A obra, originalmente, era apenas um texto curto de duas páginas, criado a partir de uma dura inspiração da vida: a velhice.
Na narrativa, um pintor, representado como o próprio Câmara, recebe uma visita indesejada, uma moça que vem sem anunciar para ocupar sua casa e seu tempo. As ilustrações sugerem mulheres sensuais e um tom erótico à trama, mas, se há algo erótico na novidade, existe também uma desconfiança: a sensualidade é sempre misteriosa e, portanto, perigosa.
Essa trama principal, acrescida de ilustrações, foi ampliada ainda por comentários do próprio Câmara sobre o que é narrado, em temas como a velhice, a inveja e os sonhos a partir de nome que vão de Dante e Shakespeare a Joyce, Kafka e Zizek. As duas páginas ganharam 24 ilustrações, que, por fim, se juntaram ao texto adicional para formar um livro híbrido, entre comentário, narrativa e desenhos digitais. Tanto que, na sua própria abertura, a obra propõe diferentes possibilidades: “O leitor poderá ignorar o texto em letras menores, poderá deixá-lo para depois ou cair nele para safar-se da correnteza ligeira, vagando e divagando com o autor por um pouco mais de tempo”.
“O livro estava pronto há muito tempo e foi publicado em 2012, mas desde então esperava um lançamento”, conta Câmara. “Ele tem uma relação com o momento atual, com a internet, na mistura de vários textos e leituras com imagens. Para essa sensibilidade moderna, essa mistura não é uma novidade”. Para o pintor, no entanto, é melhor classificar o volume como um experimento despretensioso, “uma anedota” – ainda que isso pareça uma simplificação da força do conto.
Leia a matéria completa no Jornal do Commercio deste sábado (10/8).