Guia reúne lugares afetivos e de resistência do Centro do Recife

Idealizado por Bruna Rafaella Ferrer, o livro é uma forma de promover um outro olhar da cidade
Diogo Guedes
Publicado em 18/07/2015 às 4:01
Idealizado por Bruna Rafaella Ferrer, o livro é uma forma de promover um outro olhar da cidade Foto: Chico Ludermir/Divulgação


O Recife tem lugares para comer pão em formato de bichos, lugares invisíveis, lugares de silêncio, lugares que resistem, lugares que não existem. Os guias turísticos e os passantes apressados nem sempre os notam, mas eles estão lá, há muito tempo, compondo uma parte essencial da cidade – muitas vezes, justamente o que dá vida a ela. A música de Quinha do Tamborete, os pontos de amolar facas, a tenebrosa Cruz do Patrão, o coelho exagerado na fachada de um edifício na Rua da Imperatriz: todos essas sutilezas são a matéria-prima da capital pernambucana e do belo livro Guia Comum do Centro do Recife, lançado neste sábado (18/7), ao meio-dia, no Chá Mate.

Idealizado pela artista Bruna Rafaella Ferrer, o guia se insere em uma tradição pernambucana, que já criou obras pelas mãos de Gilberto Freyre e Carlos Pena Filho. Na obra, distribuída gratuitamente, a intenção é mostrar um Recife que é sublime por ser anacrônico, por escapar de projetos urbanísticos oficiais e pela ideia padronizante de progresso.

Aprovado no Funcultura, o projeto no início pretendia criar peças gráficas – um jornal, folhetos, cartazes e até uma publicidade em outbus – para intervir no Centro do Recife mostrando suas ruínas e resistências. Ao começar a mapear as “ruínas”, também sinônimo de resistência para ela, que surgiu a ideia de transformar as intervenções em um livro. “O Centro tem esses lugares únicos, tem o comércio popular, tem gente que mora lá. De certa forma, o livro reúne coisas que resistem como um todo a uma lógica de utilidade, de progresso a todo custo”, afirma Bruna.

Impresso em azul em um papel rosa, o Guia Comum do Centro do Recife é o primeiro trabalho em que Bruna trabalha com várias colaborações: Frederico Floeter, Vitor Cesar e Tatiana Móes participaram da concepção; Chico Ludermir e Schneider Caperggiani cuidaram, respectivamente, de fotos e textos; e vários amigos e artistas colaboraram pontualmente. “Na verdade, todo mundo fez de tudo um pouco”, ressalta a artista.

“Um guia turístico destaca o que é mais clichê do ponto de vista dos patrimônios e a gente buscou fazer um guia que vê o que não é patrimônio, mas poderia ser, por um ponto de vista afetivo. Em alguns momentos, isso envolve uma mudança de olhar”, ressalta Bruna. Não é por acaso que, para falar de lugares inusitados, o volume se usa de recursos diferentes, como textos, pessoas, retratos, desenhos, poemas e partituras. Além disso, a ideia de dividir os lugares em categorias absurdas vem do Bestiário, do argentino Jorge Luis Borges, que pensava em animais fantásticos os colocando em tópicos como “pertencentes ao Imperador”, “embalsamados” ou “os que se agitam feito loucos”.

As possibilidades permitiram falar de coisas completamente únicas, como os pães em formato de bichos que fascinavam Bruna desde a adolescência, os trilhos que emergem das calçadas (parte dos lugares para baixar o olhar) e o Bar Savoy, a Livro 7 e a Ponte Giratória (todos lugares que não existem). A perfeita síntese do exercício proposto pelo guia é dada por Bruna: trata-se de um convite para “para viver a cidade de uma forma não costumeira”.

A tiragem da edição é de 3 mil exemplares, que vão ser distribuídos em outros lançamentos e também em feiras gráficas independentes, como a Tihuana, em São Paulo. O Chá Mate – escolhido por ser justamente um típico local do centro, com preço justo e um dono atencioso – é só o primeiro dos pontos citados no livro a serem visitados. O edifício AIP – com seu único morador – deve receber outro evento, e cada um dos locais vai receber uma placa de recomendação como patrimônio afetivo da cidade. A depender dessa bonita arqueologia, o Recife utópico, resistente, real e lúdico vai receber uma justa homenagem.

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