Um dos mais ativos e consistentes poetas da recente geração pernambucana, Philippe Wollney foi um dos vencedores do Prêmio Pernambuco de Literatura de 2016. Nesta entrevista, ele fala sobre como foi construir o livro Ruinosas Ruminâncias (Cepe Editora), sobre seu trabalho na editora Porta Aberta e sobre os próximos projetos na literatura.
JORNAL DO COMMERCIO - Você considera, de certo modo, Ruinosas Ruminâncias um livro sobre o amor, sobre como ele sobrevive depois do fim de tudo?
PHILIPPE WOLLNEY – Acredito que a possibilidade de amar, seja a imagem mais correta sobre o livro. Mas sim, é correto falar que o livro traz o amor de modo evidente porém, pra mim, o amor é o elemento de textura de fundo. Porque quem se move é o murmurar de um certo narrador ou narradores, quem não tem gênero identificado na grande parte dos poemas. E é sob o olhar desse narrador, que ele observa ou se observa, vivência, presencia ou constata certas intempéries de afetos. De uma relação que se desmorona, e junto com ela, o seu Eu se desestrutura. E durante todo o livro, há um movimento de organizar o Eu, através de memórias, ou colocando o ato de rememorar com uma ação ativa e criadora de imagens, criadora do poemas.
JC – Por outro lado, é um livro sobre a ruína, tanto no sentido da falência de tudo como no da resistência de algo. Porque ruminar a ruína? Como ela surgiu como tema?
WOLLNEY – A ruína surgiu como elemento estruturativo nos poemas quando me dei conta que falava de memória, e que os poemas surgiam através de narrador como ato de organizar o seu Eu. Revirado os cacarecos da memória, memórias afetivas, e tentando dar ordem a eles. Parecido com quando um arqueólogo escava e acha um artefato: geralmente ele vem rachado, faltando partes, fragmentos, e é preciso decifrá-lo, ordená-lo, mas alguns achados continuam indecifrados. Essa ruína, que resiste ao tempo e a várias intempéries, é parecida com a memória, talvez, também muito parecida com os afetos.
JC – Os poemas trazem uma linguagem em ruínas, ameaçando o tempo todo também acabar. A literatura e o pó andam mesmo juntos? Como foi buscar essa linguagem da ruína e dos fragmentos?
WOLLNEY – Sim. Acredito que a literatura e o pó andam juntos. Independente se o suporte seja argila, papiro, couro, madeira, celulose, bit e etc... As ruínas são as memórias, as lembranças que permanecem, que resistem ao tempo, porém, é necessário recriá-las, ordená-las. Lembrar é um ato criativo. Os fragmentos também espelham o Eu do narrador ou narradores em pedaços, buscando ordem, estruturação, elementos que ele vai conseguindo no decorrer do livro.
JC – Você traz a cada poema referências da poesia e da música nacional e local. Quis trazer ecos para a escrita? Essas leituras e audições são essenciais para o livro?
WOLLNEY – Não são essenciais para a compreensão do conjunto, mas eles fazem parte do conjunto. São referências externas ao tema. É parecido quando se está na fossa, e se escuta aquela canção tocando, sabe? Igual os trechos dos poemas. Tenho a convicção que a dor de cotovelo é o maior impulsionador da audição musical e do consumo de bebidas (risos). As citações são também um artifício que eu gosto de usar, para dizer que sempre estou em busca de diálogos e que percebo ou sou tocado por outras obras. A minha produção criativa não é fechada.
JC – Seu trabalho poético já é consistente, com recitais e livros independentes da sua editora, a Porta Aberta. No que é diferente lançar um livro vencedor de um prêmio por uma outra editora?
WOLLNEY – A diferença no sentido econômico é que o prêmio possibilitou publicar um material mais trabalhoso e custoso, comparando se eu fosse produzi-lo por conta própria, já que a maioria do faço é autopublicação. No sentido criativo, o olhar e a dedicação sobre o tratamento do conteúdo é o mesmo. Mas não posso deixar de reconhecer que o fato de receber o prêmio desloca o livro para uma certa esfera de legitimidade para com o autor e o reconhecimento do mesmo para um certo tipo de público. Ou para quem possui um determinado hábito de consumir produtos literários. Mas o que me interessava mais na premiação, e foi o que me levou a me inscrever: primeiro, a divulgação que a Secretaria de Cultura faz dos premiados pelo Estado; e segundo, que se eu ganhasse poderia me capitalizar para produzir outras coisas, esta última foi vã ilusão, porque as dívidas e o começo de ano letivo comeram tudo (risos).
JC – No que trabalha atualmente? Está com novas obras por lançar?
WOLLNEY – Sim. Tenho uma parceria com o Wander Shirukaya (também vencedor do prêmio) que está como editor geral de uma coleção de ficção científica chamada Relatos do Futuro, até agora temos três autores convidados, entre eles o Bráulio Tavares. A coleção tem previsão pro começo do 2º semestre e será lançada pela Porta Aberta. A outra é um livro de poemas e artes visuais chamado O Muro, que trabalha com a linguagem da pixação, a questão de segregação e imigração e é uma parceria com o artista Rodrigo Rodrigues (Goiana-PE); e devo lançar outros livros de autores daqui da zona da mata também.
Os poemas, mesmo os que aparentam ser mais arrumadinhos, são cheios de ecos e caos. Muitas vezes, é só o caso de admitir que a música que toca ao fundo, os amores abandonados, os poemas lidos e as lembranças são parte da escrita. O livro Ruinosas Ruminâncias, do poeta pernambucano Philippe Wollney, é formado por ecos, intervenções, repetições que vão se dissolvendo e se ressignificando – é uma poesia em ruínas, mas que demonstra sua força justamente por isso.
A obra tem três partes: ruínas, vestígios e ruir é o melhor remédio. São como um canto de resistência de algo diante do turbilhão do mundo, da história, do passado, da vida desenfreada como ela costuma ser. Os versos de Wollney falam de “seguir a vida/ – fora da condição de estorvo”. Mais do que luta (apesar de trazerem cicatrizes), parecem ser sobre ter sobrevivido depois do desastre.
Ruinosas Ruminâncias traz o amor como uma das ruínas constantes do seu mundo desabado, fala de dentro do “beco sentimental sem saída” . Como no restante da sua obra, o autor traz no livro versos carregados de força performática, que expõem o tempo todo a virulência da escrita, a urgência de dizer algo em um mundo obviedades balbuciadas. Wollney criou um livro coeso em meio aos restos da linguagem. Ele diz: “não tenha dúvida que o amor escreve em pedra: arranca topos de montanhas ergue toneladas d e rochas sem nenhum sentido: e continua fazendo o que sabe de melhor:// – enterrar civilizados”. De algum modo, atesta que é esse amor-ruína que sobrevive a tudo.