Ariano Suassuna passou as últimas décadas de vida, em paralelo às suas aulas-espetáculo, escrevendo e reescrevendo com cuidado a sua obra final. Mais do que um mero novo romance, A Ilumiara – Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores foi adquirindo outras facetas: a de Ilumiara, palavra que sintetizava a totalidade da criação do autor. Não é por acaso que a trama de Dom Pantero é perpassada pelos livros anteriores de Ariano, pelo teatro, pela prosa, pelo desenho, pelas aulas-espetáculos e, além disso, pela própria vida do autor.
Os 90 anos de Ariano, que são celebrados nesta sexta, marcam o início do processo longo de apresentação dessa Ilumiara. Desde o começo da semana, uma das obra-primas do escritor que nasceu na Paraíba e viveu boa parte de sua vida em Pernambuco chegou às livraria em nova versão: A Ilumiara – Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta. É o início da republicação da obra completa de Ariano, agora toda em uma só editora, a Nova Fronteira, com um projeto gráfico único e tratamento cuidadoso. Além disso, é a preparação – o romance ganhou com o tempo o subtítulo Introdução ao Romance de Dom Pantero – para o lançamento da narrativa inédita, marcada para o dia 9 de outubro, data em que seu pai, João Suassuna, foi assassinado no Rio de Janeiro.
Quando Ariano ainda estava vivo, o projeto da família era reunir a obra – antes dividida entre a José Olympio e a Nova Fronteira – em uma só casa editorial. Além disso, a negociação quis garantir que pessoas que conhecem a fundo a obra do escritor e que conviveram com ele pudessem ajudar a conceber o projeto. Assim, Carlos Newton Junior, pesquisador e amigo de Ariano, ficou com a coordenação editorial; Manuel Dantas Suassuna, filho, comanda a direção de arte; e Ricardo Gouveia de Melo fez o design das novas edições dos livros de Ariano.
Antes de partir, Ariano pediu para que Dantas e Carlos Newton continuassem a obra inédita se ele não a tivesse terminado. Afinal, ao longo de mais de 30 anos de escrita, o autor foi fazendo a trama incorporar as peças que criou e personagens. “Ele ia trazer todas as peças que fez para dentro do Dom Pantero, mas só conseguiu fazer isso com algumas”, conta o seu filho.
Para alterar a narrativa, Ariano ia usando páginas digitadas. Assim, resgatar onde se encaixa cada ilustração foi uma espécie de quebra-cabeça. Com o tempo, diz Dantas, ele foi fazendo do livro uma espécie de diário, que transbordava em sua vida e era alimentado dela – não por acaso existem vários personagens em homenagem a seus amigos.
Dividido em dois volumes, O Jumento Sedutor e O Palhaço Tetrafônico, de mais de 400 páginas cada, o livro vai ser lançado em uma caixa. Em média, são mais de duas ilustrações por páginas, muitas delas baseadas nas pinturas rupestres. “Acho que é o livro em que as ilustrações dele vão ser mais valorizadas”, comenta Ricardo. Dantas ressalta que, como foram feitos em um longo período de tempo, os desenhos mostram a mudança no trçao de Ariano, que foi se tornando mais maduro.
Se A Ilumiara – Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores será a obra mais visual de Ariano, o seu lançamento, em 9 de outubro, vai contemplar isso. A ideia é fazer uma exposição que englobe toda o trabalho gráfico do escritor. “É um projeto de Dantas, que teria um catálogo, ficaria dois meses em cartaz e terminaria com o lançamento do livro Ariano Artista Plástico, escrito por Carlos Newton, que já vem pesquisando isso há muito tempo” , comenta Ricardo.
A mostra contemplaria todas as criações do autor, desde a pintura e desenho até a tapeçaria e a cerâmica, entre muitos outros. Até os desenhos originais de Romance d’A Pedra do Reino, que estavam nas mãos do galerista Carlos Ranulpho, foram readiquiros pela família e vão estar na exposição.
Além disso, o público vai poder ver o caminho do traço de Ariano até os desenhos de Dom Pantero. “Muito do desenho de Ariano vem do desenho rupestre. Esse novo livro é como se fosse feito na pedra. E Dantas está fazendo esse desenho na própria pedra. E está um negócio lindo, essa tradução artística que Dantas está fazendo dos trabalhos do pai”, conta Ricardo.
O acordo com a Nova Fronteira inclui a republicação de todos os livros de Ariano, mas também vai trazer títulos inéditos. Segundo Dantas, uma das propostas é criar coletâneas de crônicas ou ensaios do autor, por exemplo. Além disso, um desejo é publicar o volume Nova Heráldica Sertaneja – Livro dos Ferros do Cariri, que seria uma continuação, comandada por Carlos Newton, da obra de Ariano que circulou com uma tiragem de apenas 500 exemplares, todos assinados pelo autor.
Nesta semana, na quinta, véspera dos 90 anos de Ariano, outro projeto tem sua estreia, o espetáculo Suassuna, o Auto do Reino do Sol, do grupo Barca dos Corações Partidos. O texto da montagem é de Bráulio Tavares, a direção é de Luiz Carlos Vasconcelos e a música foi composta por Chico César, Beto Lemos e Alfredo del Penho. A peça vai ficar em cartaz no Teatro Riachuelo, no Rio de Janeiro, até 25 de junho.