Foi uma experiência singular. Primeiro, porque, invertendo a lógica, a plateia estava acomodada no palco, de frente para os luxuosos camarotes e galerias, em dourado e vermelho, do Teatro alla Scala, de Milão, uma das casas de ópera mais famosas do mundo. Depois, porque o espetáculo em questão era um desfile de Alta Moda da grife Dolce & Gabbana, apresentado no último domingo a convidados da marca.
A atmosfera inusitada e dramática estava à altura das fontes de inspiração dos estilistas Domenico Dolce e Stefano Gabbana para a temporada: as composições de Giacomo Puccini, autor de Madame Butterfly, Turandot, Tosca, entre outras; e as criações chiquérrimas da estilista milanesa Biki (Elvira Leonardi Bouyeure), que era neta de Puccini e, entre 1940 e 1960, vestiu princesas, milionárias e estrelas, como a atriz Sophia Loren e a soprano Maria Callas.
"Para produzir essa coleção, miramos em dois tipos de mulheres: de um lado, as heroínas passionais das óperas, com aqueles figurinos maravilhosos, aqueles chapéus enlouquecidos, de outro, as mulheres que assistiam aos espetáculos em Milão, sempre elegantes e poderosas, vestidas sob medida por Biki", disse Gabbana, pouco antes do show.
De pontos de partida opostos, surgiu uma coleção ovacionada de pé pela plateia de 200 convidados, formada por jornalistas de moda e editores, familiares, amigos e clientes bilionários da dupla vindos especialmente para o desfile dos Estados Unidos, da Rússia, da China e de toda a Europa. O maximalismo exposto em estampas florais exibidas, brocados exuberantes, capas, caudas, coroas e muito mais realmente encheu os olhos. A dupla deu show de opulência, mas também seduziu a crítica investindo no melhor da alfaiataria e do mais simples e eficiente vestido do mundo: o preto. Básico, atemporal, incrivelmente bem cortado, do tipo que molda o corpo e dura para sempre. "Não estamos mais interessados em lançar tendências. As tendências passam, o estilo fica. Estamos focados hoje em oferecer roupas com estilo", afirmou Gabbana.
Representantes declarados da cultura italiana, os designers levaram ainda para a passarela longos com estampas pintadas a mão de ícones arquitetônicos de Milão, como o Duomo e a Galleria Vittorio Emanuele. Desenhos inspirados nos croquis da estilista Biki também enfeitaram vestidos com modelagem dos anos 1960. Como Biki amava chapéus, os estilistas se sentiram à vontade para apresentar na coleção os modelos mais variados: decasquetes a um capuz que lembrava uma mantilha. Blazers bordados e um smoking branco e preto também se destacaram, ao lado de vestidos com cristais e longos drapeados que eram puro luxo.
Em plena hora de almoço, no domingo, a plateia, que usava joias e peças de vison, vibrou e se emocionou, enquanto ouvia as árias mais lindas e emotivas da obra de Puccini. Dolce chorou quando pisou na passarela, ao final do desfile, e viu Anna Wintour (aquela temida e famosa editora de moda da revista Vogue America) aplaudindo sua coleção de pé.
Quando parecia que todas as surpresas haviam acabado, veio o gran finale. Os convidados deixaram o palco enquanto aguardavam pelo almoço. As cortinas se fecharam e, de repente, se abriram. O palco emergiu do subsolo com mesas superdecoradas por arranjos de orquídeas e rosas, com os garçons a postos elegantemente vestidos. No menu, risoto e filé à milanesa. Foi um desfile bem peculiar.