RIO DE JANEIRO - A esteticista Kétilyn dos Santos, 18, observa dois músicos de São Paulo, com ternos, tênis Nike e máscaras de panda e cavalo, tocarem Livin on a Prayer, do Bon Jovi, às portas da Cidade do Rock. "O show vai continuar, mas não é pra mim, não", ela diz, rindo, enquanto o projeto Sax in the Beats continua seu som. "Tem urso, tem cavalo e tem 'nós' que é gado."
Está aqui a trabalho - faz "massagem no ombro da galera cansada" por R$ 10. Parou para almoçar na Vila Autódromo, uma coxinha e um pacote de Fandangos.
A comunidade ganhou um prêmio internacional de urbanismo em 2013, do Deutsche Bank, mas está sendo desalojada para abrigar a Vila Olímpica, colada ao Rock in Rio.
Em todas as edições, monta-se uma cerca para separar a comunidade da Avenida Embaixador Abelardo Bueno, que dá acesso ao festival.
"É um esculacho", diz uma moradora da comunidade que preferiu não se identificar. "Acham que aqui é zoológico?".
A auxiliar de limpeza Cleia Alves, 33, também mora na Vila e aprova a divisória. "É bom, protege. O pessoal fica doidão se joga no valão, ó", diz e aponta para a água parada, coberta por vegetação, às margens da avenida.
"Só não podem fechar o acesso. Rolou um clima que isso ia acontecer", afirma. Para entrar na comunidade, há uma ponte estreita, próxima à entrada do evento.
Segundo o município do Rio, a retirada de 466 dos 750 imóveis da vila é necessária para abrir acessos ao complexo, a partir da duplicação das avenidas Abelardo Bueno e Salvador Allende.
Gisele Cristina, 32, tinha um barraco lá, mas precisou se mudar após 25 anos na Vila. Como muitos ex e atuais moradores, aproveita para "ganhar uns milhões" com o público do Rock in Rio - estimadas 85 mil pessoas nos sete dias de apresentações.
Ela vende empadão de frango por R$ 4 e bala drops a R$ 0,75. Enxuga o suor da testa (culpa do calor de 35ºC) com uma toalhinha verde onde se lê, bordado em roxo, o nome da marca Calvin Klein.
Conta que amigos alugaram casas "por R$ 100, R$ 150" para ambulantes que vieram vender mercadorias na porta do Rock in Rio. Que ela saiba, não houve interesse do público, embora um camarada "tenha tentado Airbnb".
Enquanto uma caixa de som toca Camarão que Dorme a Onda Leva, de Zeca Pagodinho, o auxiliar de limpeza Jefferson dos Santos tenta convidar pessoas na fila para conhecer a comunidade - que montou uma feirinha de comidas e bebidas logo na entrada, guardada por agentes do GOE (Grupo de Operações Especiais) da Polícia Civil fluminense.
O pessoal é resistente, mas ele insiste. O latão de cerveja, na mão de Jefferson, está R$ 5, enquanto ambulantes oficiais cobram R$ 7. Para usar o banheiro, R$ 3.
"Queria ver a Rihanna, mas tá caro, né? Pelo menos aqui garanto meu ganha-pão", diz ele.