Dona Yolanda Dantas, pernambucana do Recife, viúva do compositor Zé Dantas (Carnaíba, 27/2/1921 — Rio de Janeiro, 11/3/1962), faleceu nesta segunda-feira (2) no Rio de Janeiro, aos 86 anos. Os parentes anunciaram que ela será cremada e as cinzas serão trazidas para cemitério de Santo Amaro, e depositadas no mausoléu onde repousa Zé Dantas. Ela morava na Avenida Boa Viagem, num apartamento decorado com lembranças do marido que iam das gravatas borboletas à partituras e acetatos, com canções que depois seriam lançadas por Luiz Gonzaga e outros intérpretes. Embora seu nome tivesse um “y”, Zé Dantas fez para ela um dos clássicos do repertório de Lua, A Letra. Fez ainda várias outras canções.
Curiosamente, a primeira de todas permanecia inédita até 2008. Quando o violonista pesqueirense Cláudio Almeida começava a gravar o disco que seria batizado de Noites Brasileiras – A Música de Zé Dantas, ele foi ao apartamento de dona Yolanda para conversar com ela sobre o projeto, ganhou uma música que Zé Dantas compôs, em 1949, para a então namorada. Ela guardava a letra como uma carta de amor, e não poderia tê-la entregue em melhores mãos. No disco, Flor Ingrata foi interpretada por Dominguinhos.
Filha de um importante leiloeiro da capital pernambucana, Yolanda, aos 17 anos, resolveu abandonar a vida confortável na casa dos pais, para ser professora primária, num vilarejo chamado Caiçarinha, no Sertão do Pajeú, próximo a Serra Talhada. Foi nesta cidade, num feriado de 7 de setembro de 1947, que ela conheceu o estudante de medicina José Dantas de Souza Filho. Carismático, elegante, brincalhão, Zé Dantas, como o chamavam, era filho de seu Zeca Dantas, um abastado comerciante e fazendeiro de Flores de Carnaíba (da qual foi prefeito duas vezes). Galanteador, ele não perdeu tempo: passou a cortejar a jovem Yolanda.
Zé Dantas também gostava de festas, de música, já compunha algumas, baseadas no folclore e histórias de sua região ou da sua própria imaginação. Mais tarde, ele faria várias canções para Yolanda. Até o casamento, em 1954, foram quatro anos e meio entre namoro e noivado: “Ele terminou medicina e foi fazer residência no Hospital dos Servidores, no Rio. Durante este tempo trocamos muitas cartas, várias vinham com letras de músicas. Sabiá foi uma das que ele fez para mim”. “Na folha de papel na qual Zé Dantas (que se assinava Zédantas) datilografou a letra, lê-se o oferecimento: ‘Para minha querida Yolanda, por quem pergunto todo dia ao sabiá’”. A letra de Sabiá, assim como dezenas de letras, manuscritas ou datilografadas, Yolanda conservava no apartamento em que morava, sozinha, à beira-mar de Boa Viagem.
Uma das salas do espaçoso apartamento é um pequeno museu Zé Dantas. Ali, dona Yolanda guardava álbuns com fotos e recortes de jornais e revistas, troféus, discos, partituras, cópias de programas No Mundo do Baião (que Zé Dantas apresentava com Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, na Rádio Nacional) e, em perfeito estado, a máquina na qual o compositor escrevia, além do enorme gravador onde registrava suas composições. “Depois que Zé morreu, não casei mais. Tratei de cuidar da memória dele e dos nossos filhos”, contou dona Yolanda, em entrevista ao JC
Do acervo Zé Dantas, ela conservava também poemas (um bem longo sobre o cangaço), um argumento cinematográfico, cartas de amigos, como uma do jornalista e poeta Rogaciano Leite pedindo que ele lhe mande textos. Um verdadeiro museu, a memória de um capítulo importante da música pernambucana e brasileira. Quando era indagada se nesses anos todos ela não perdeu alguma peça importante do marido, ela responde incisiva: “Não. A única coisa que perdi foi ele”. Resta saber o que será do acervo, agora a memória de Zé Dantas perdeu sua guardiã.