Em 1989, o muro de Berlim foi abaixo. O paredão que separava o mundo capitalista do comunista, era uma metáfora da era ideológica pão, pão, queijo, queijo. Como num pastoril, cada um escolhia seu cordão. Podia-se ser azul ou encarnado, porém as cores não se misturavam. Em 1990, a queda do muro era ainda recente, e as cores passaram não só a se misturar, mas a ficarem também indefinidas. Joaquim Francisco, prefeito do Recife entrou na disputa para o governo do estado, escanteando a ala conservadora do seu partido, o PFL. "Se eu tivesse medo de cara feia, não comeria cabeça de bode", o comentário que fez à reação da referida ala à sua candidatura.
Nem de cabeça de bode, nem de esquerdistas. Já candidato ao governo, um grupo de artistas, Alceu Valença à frente manifestou seu apoio ao político do PFL. A cor da campanha de Joaquim Francisco era o amarelo, que se tornou verbo. Alceu Valença e seu "grupo" (que incluía, entre outros, o compositor Carlos Fernando, amarelaram, acusava a esquerda). A casa do cantor foi pichada, queimaram-se discos seus em Olinda. Anos depois ele confessaria que a pressão sofrida pelo apoio rendeu-lhe até um infarto.
"Um negócio que eu acho muito grave é essa espécie de patrulha ideológica que existe no Brasil. Uma espécie de polícia ideólogica que fica te vigiando na estrada da criação, para ver se você passa da velocidade permitida" , o comentário foi feito pelo cineasta Cacá Diegues, em uma longa entrevista ao Estadão, em setembro de 1978. A expressão "patrulha ideológica", para empregar uma expressão atual, viralizou. Levou o verbo patrulhar a ser usado com outra conotação.
Neste mesmo ano, Caetano Veloso e Gilberto Gil seriam patrulhados ao assumirem a música para dançar. Caetano na fase simbolizada pela música Odara, e Gil com Realce. No ano seguinte seria a vez de Jards Macalé enfrentar os patrulheiros, por ter ido à Brasília e presenteado o então superpoderoso general Golbery do Couto e Silva com uma cópia do álbum Banquete dos Mendigos, registro de um concerto produzido por Jards Macalé. O disco tinha sido proibido pela censura do regime militar em 1974. Com o fim da censura finalmente foi liberado.
Macalé botou a boca no trombone: "Esses esquerdetes não suportam o povo. São racistas e preconceituosos. Troco toda essa genialidade dos intelectuais brasileiros pela intelectualidade de Os Trapalhões. Para mim, essa luta partidária é replay menor. É papo de otário que não tem informação. A inteligência é burra e a esquerda é de direita".