Teto Preto quer transformar pista do Rec-Beat em ritual antropofágico

Banda paulista se apresenta na terça-feira de Carnaval no festival Rec-Beat
GG ALBUQUERQUE
Publicado em 23/02/2017 às 10:20
Banda paulista se apresenta na terça-feira de Carnaval no festival Rec-Beat Foto: Foto: Marcelo Elídio/ Divulgação


Há algo de misterioso no Teto Preto, banda que toca no Rec-Beat na próxima terça-feira de Carnaval (28). Criada a partir da pesquisa e desenvolvimento da identidade sonora da Mamba Negra (uma das várias festas de música eletrônica que promovem a ocupação urbana do centro de São Paulo), a banda surgiu em novembro de 2014 com a intenção de trabalhar na interseção da sonoridade eletrônica e orgânica. Em agosto do ano passado lançaram Gasolina, um EP de duas músicas que é uma síntese e declaração de intenções: a faixa título tem citações de Terra em Transe, de Glauber Rocha, e do Poema Vertigem, de Roberto Piva; a outra era uma versão de Já Deu pra Sentir, de Itamar Assumpção. É techno? House? Nova MPB? Canção? As classificações caem por terra.

A banda é composta por L_cio (nome artístico de Laercio Schwantes) nas drummachines, Pedro Zopelar nos sintetizadores, William Bica na percussão e trombone e Carneosso (persona artística de Laura Diaz inspirada em Helena Ignez no filme A Mulher de Todos) como cantora e compositora e também responsável por agbê, distorções e colagens.

Em meio à performance, Laura Diaz, retoma músicas de vários nomes da música popular – de Caetano Veloso a Luiz Gonzaga. O plano, ela explica, é buscar a catarse “fazer das pistas um ritual antropofágico”.

“A gente tem várias referências, não dá para falar que é techno, que é X, Y ou Z. A gente é muito contra essa categorização da música eletrônica porque serve muito mais ao mercado do que ao público e é legal trazer essa dimensão de guerrilha. A gente não está nesse lugar, a gente está na música feita pelo zé ninguém, a gente veio do oco do buraco do mundo”.

POLÍTICA DO CORPO

O corpo é um ponto de tensão na estética do Teto Preto. Está presente no trecho que extraíram de Terra em Transe (“Eu não acreditava em sonhos e mais nada, apenas a carne me ardia e nela eu me encontrava”) e principalmente no clipe de Gasolina, dirigido por Carneosso e com performance do DJ e dançarino Loic Koutana, que atira um coquetel molotov de tinta em escombros, contorce o corpo negro em frente à policiais na Avenida Paulista, dança ao lado de um camburão, no meio do trânsito – imagens que deflagram o aspecto político do corpo. 

“É porque o corpo é um campo de batalha”, diz Carneosso, explicando o interesse pela questão. “Acho que lidar com o corpo é lembrar que a mulher não tem opção quando nasce mulher ou quando se torna mulher. A gente não tem essa opção de não ser objeto – pelo ponto de vista do mercado. Mas a ideia é ser aquele pedaço que vai dar desenteria, aquela carne do açougue que vai causar (risos). Não é mais uma cantora de MPB, é quase o ‘faquir da dor’. O corpo aparece como elemento ritualístico, de luta, de explosão, mas também tem essa dimensão suave do vocal feminino”.

Sobre essa força entre estética e política, Laura prefere falar por si e não pela banda como um todo: “De minha parte, tudo vem de uma pesquisa de voltar para década de 1960 e entender como foi a postura da esquerda. Grande parte da esquerda dita militante ficou em posições com diretrizes artísticas como a canção de protesto ou o Teatro de Arena. Eu acabei me aproximando mais do que se chamou de desbunde”, pontua a compositora, que em 2015 participou da Universidade Antropófago do Teatro Oficina. “Se no Teatro de Arena a esquerda branca, pequeno-burguesa dizia ‘eu sou o povo’, o Teatro Oficina dizia 'eu sou a burguesia decadente, eu sou a burguesia putrefata'”. 

“É muito fácil falar ‘fora Temer’”, continua. “A gente quer responder a repressão com linguagem, porque é o que resta. A direita não saber fazer, só sabe fazer Hollywood. Quando a direita vem prender a gente na rua, eles não compreendem porque só sabem a repressão. A gente vai espinafrar, gritar, cantando e dançando contra a repressão”.

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