O cearense Alcymar Monteiro, no Recife desde o início dos anos 80, começa a maratona anual junina dia 8 de junho. Só volta para casa no dia 10 de julho. Tem agendados 38 shows, em 40 dias: “Tiro dois dias para descansar. Além de Pernambuco, toco na Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão, Sergipe, Bahia, e Norte de Minas, não tenho do que me queixar”, diz o forrozeiro. Ele viaja com sua equipe (mais de 40 pessoas, entre músicos, dançarinos e técnicos), em ônibus próprio, devidamente adaptado para oferecer conforto para longas jornadas como a que vai empreender a partir da próxima semana.
No entanto, Alcymar Monteiro não está nem um pouco contente com os rumos da maior festa popular do país. Enquanto se contam nos dedos, cidades brasileiras onde são realizados grandes Carnavais, os festejos juninos acontecem por todo Nordeste. O São João é a mais importante festa para os nordestinos, uma tradição herdada dos portugueses, que fincou raízes na região, com música, danças, e culinária próprios:
“É o maior festival de inverno do mundo, tem todo o nosso jeito de ser, uma festa de praça público, do povo. Mas veio o interesse comercial e as coisas mudaram para pior. Três empresas no Nordeste compram o São João, botam uma mídia violenta em artistas que você não conhece, empurrados garganta abaixo, com prioridade, na juventude, que não tem ainda uma formação intelectual sólida. Trabalho nisso há 30 anos, e não posso aceitar passivo. Não estou brigando para ter um palco no São João, estou brigando é pelo São João”, brada Alcymar Monteiro.
Ele está no palco principal, na abertura dos festejos juninos de Caruaru, com Elba Ramalho e uma orquestra de pífanos, começando sua maratona de shows: “Só esta orquestra de pífanos já salva Caruaru, que este ano está com 70% de atrações autênticas, o que não o ideal, mas é muita coisa. Tem gente que me acha tradicionalista. O meu show tem as manifestações folclóricas do Nordeste, quero mostrar às novas gerações o caboclinho, o bumba meu boi, a música do vaqueiro, não queremos que isso se perca. Por outro lado, ou você acompanha a evolução, ou fica pra trás. Tem que se adequar. Tenho uma equipe de 50 pessoas, um jornalista só pra internet. Você não pode enfrentar uma tremenda estrutura que tem uma banda de fuleiragem, uma dupla sertaneja, e chegar só com zabumba, triângulo, sanfona. Tem que chegar igual a eles”, comenta o cantor.
O autodenominado Rei do Forró, Alcymar Monteiro acrescentou mais um disco à sua discografia com cerca de cem títulos (vários de música carnavalesca, um em espanhol). A Voz do Povo foi lançado em Salvador depois do Carnaval:
“Fizemos um convênio com o Correio da Bahia. Em dois dias, foram vendidos cem mil discos. Em dois dias, tudo isto. Como é esta música está morta?”. Alcymar responsabiliza as prefeituras pelo que considera um processe deliberado de descaracterização do São João: “Campina Grande hoje é um festival de breganejo. Estão passando uma ideia de modernidade, que estão desenvolvendo a festa. O São João não é antigo, não é de ontem nem de hoje. É a festa do povo Nordestino. E não sou eu só que está falando, outros artistas estão combatendo este modelo também”.
O forrozeiro ressalta que não há nada pessoal nas criticas que faz à participação de sertanejos nos festejos juninos: “Não sou contra artistas nenhum, todo mundo tem seu público. Sou contra esta massificação, este critério. Acho que a cultura de um povo é o seu maior legado. A gente precisa fazer uma frente de forrozeiros. Se for preciso, vamos ao Congresso, pedir pra que tornem obrigatória por lei a preservação da cultura do São João, da música, da culinária da época. Pela sobrevivência dos nossos companheiros que estão na luta, com a zabumba, a sanfona, lutando pra sobreviver”.
Alcymar compara o predomínio de artistas importados para o período junino a uma praga que assola o solo nordestino:
“Feito uma nuvem de gafanhotos, deixam a terra arrasada, e vão arrasar outras terras. Terra arrasada, tem que começar tudo de novo. Já teve rádio em que eu cheguei, e me disseram que a programação estava toda vendida. Eles compram a programação da rádio, as empresas. Não digo nome porque não tenho provas cabais. Eles sabem a dimensão do São João, sabem que dá muito dinheiro. É só ir numa prefeitura, perguntar quanto vão gastar no São João. Se este custo foi de dois milhões, oferecem três. É uma coisa muito bem organizada”, acusa.
No entanto seria preciso muitas nuvens de gafanhotos para arrasar tanta terra. Somente na Bahia, contabiliza Alcymar Monteiro, são cerca de duas centenas de cidades que festejam o São João em grande estilo:
“Senhor do Bonfim é a capital baiana do forró. Tem outras grandes, como Amargosa, Santo Estevão. Mesmo em Salvador, no Pelourinho, é só forró, não entra axé. 80% da minha agenda é de show na Bahia. Em Pernambuco tenho uns seis shows, nem todos confirmados, enquanto na Bahia faço mais de 30 cidades. Como disse, não abro a boca em causa própria. A gente se profissionalizou de uma maneira que consigo enfrentar este pessoal. Este ano até na Avenida Paulista, em São Paulo, vai ter um grande São João, porque temos que sufocar a festa aqui?”