Marisa Monte e Paulinho da Viola em encontro raro para celebrar samba

Os dois músicos fazem em Pernambuco a reestreia da turnê Paulinho da Viola Encontra Marisa Monte
Adriana Victor
Publicado em 01/09/2017 às 8:00
Os dois músicos fazem em Pernambuco a reestreia da turnê Paulinho da Viola Encontra Marisa Monte Foto: Foto: Leo Aversa/Divulgação


Ele vem de azul Portela; ela usa vestido encarnado. Os cordões de Marisa Monte e Paulinho da Viola que se encontram no palco quase não chegavam a Pernambuco, revela o cantor. “Não teria uma segunda temporada.” Mas foram tantos os pedidos, tão sinceros tão sentidos, que cá estão eles. Depois de estrear em São Paulo, em maio, a dupla passou pelo Rio e Belo Horizonte. Nesta segunda fase, os dois retomam a estrada pelo Recife, nesta sexta-feira (1º/9) depois Fortaleza; seguem para Curitiba, Porto Alegre, Brasília e Salvador; retornam, já em novembro, ao Rio e a São Paulo.

O espetáculo é divido em três módulos principais: só Paulinho, só Marisa e Paulinho e Marisa. No repertório, um desfile de mais de 30 sambas, entre composições de Pixinguinha, Candeia, Monarco, Manacéa e também dos dois artistas que estarão no palco. O músico, que se encarregou do roteiro de Paulinho da Viola Encontra Marisa Monte, achou por bem dividir as interpretações entre o par. “É um espetáculo nosso”, garante ele.

Confira o áudio da entrevista, por telefone, com Paulinho da Viola:

Preciosidades

O encontro e a parceria, que já existiam fora do palco, são celebrados pela dupla. “Seria muito difícil, depois de tanto tempo e tantos trabalhos juntos, não dar a isso um peso um pouco maior”, confessa Paulinho da Viola. E ainda lamenta: “Infelizmente a gente não pôde fazer mais coisas porque ficaria um espetáculo interminável”.

O que de mais precioso levam ao palco e o que de mais precioso têm recebido como retorno? “Tempo levado, amor pela música e alegria de fazer o que amamos. E temos recebido de volta do público todo esse amor em dobro”, resume Marisa Monte. Ele com a palavra: “O que de mais precioso levamos é uma coisa muito simples, mas muito marcante pra nós. Um momento de maior despojamento em que a gente canta, lembra das coisas que nos aproximaram mais e nos prenderam mais à Portela, como o grupo da Velha Guarda”, resume.

Aos que conseguiram comprar os ingressos – que não cabem em qualquer bolso – a noite promete samba com elegância, música brasileira afinada e maestria de cada lado dos dois cordões. 

Para um amor no Recife

Costurar conversas, alinhavar ideias e reproduzir tudo com fidelidade é sempre desafio. Unir, num mesmo bordado, Paulinho da Viola, Marisa Monte e o samba gera, como resultado, parte vigorosa e vibrante da música brasileira, estampada num estandarte que ambos vêm empunhando há tempos. “A música do País sempre foi um ponto de resistência muito importante. E a arte, de uma maneira geral, principalmente nos períodos de grande dificuldade”, reflete Paulinho em conversa exclusiva, ontem, por telefone, poucas horas antes de embarcar do Rio para o Recife. “A música brasileira é tão forte que, além de ter contribuído muito para a formação de uma consciência – que ainda está sendo gestada – não só não desapareceu, não se perdeu nem se diluiu como, fora do País, tem hoje uma aceitação muito grande”, completa.

Parte da resistência de que fala o cantor vai estar hoje em Pernambuco, no espetáculo Paulinho da Viola Encontra Marisa Monte, no Classic Hall, a partir das 22h30. Perguntado sobre a volta ao lugar que inspirou uma de suas mais renomadas canções, Para um Amor no Recife, ele diz: “Estou um pouco afastado desses amores, a vida nos faz isso. Mas as boas lembranças são parte desse universo amoroso”.

As respostas de Marisa Monte chegam-nos por e-mail. Questionada sobre quais são os seus amores no Recife, ela diz: “Amo essa música, que é de autoria do Paulinho. Pessoalmente tenho muitos amores no Recife (e em Olinda): A Nação Zumbi, o maracatu, Brennand, música, as boas lembranças do Naná, artistas locais como Jonathas de Andrade e Cristiano Lenhardt, Lia e suas cirandas, a tapioca de Olinda, as praias, a história, as ruas e a cultura pernambucana”.

A relação de Paulinho com a cidade começa ainda antes da composição. Em 1968, ele deveria passar três dias no Recife, fazendo espetáculo no Teatro Popular do Nordeste. A estadia foi se espichando e ele ficou por um mês e 10 dias. “Quando cheguei, me vi sozinho no aeroporto. Eu, a mala e um violão. O amigo que deveria me buscar teve um problema e não foi”, recorda-se. “Fiz tantas amizades que, na hora de ir embora, mais de 30 amigos foram me deixar no aeroporto.”

Uma delas virou música. “Para um Amor no Recife é uma carta para uma senhora que me tratava como um filho, Maria José Aureliano, Dedé Aureliano” revela, dizendo que muita gente pensava que teria sido composta para uma namorada. “Ela pediu licença a minha mãe pra me chamar de filho. E minha mãe deu. Então, ela sempre me escrevia assim: meu filho...”

O que o encantou em Pernambuco, revela Paulinho, é que ele teve a chance de conviver com aquilo que só conhecia na teoria. “Era uma cultura, um comportamento, uma fala, um universo sobre o qual eu só ouvia falar” afirma. “Muita gente não sabe, mas a minha avó era do Rio Grande do Norte, de uma cidade chamada Ceará-Mirim; meu avô paterno era de Alagoas”, e vem daí a familiaridade e a afinidade com o Nordeste. Em 68, pouco tempo depois de voltar para o Sudeste, pegou um ônibus, enfrentou a estrada Rio-Recife e novamente desembarcou na cidade.

Comunhão

“Encontrar com Paulinho, pra mim, é como encontrar a alma do samba”, declara Marisa Monte. “Esse show é resultado de todos esses encontros e da nossa paixão comum, a Velha Guarda da Portela e a tradição do samba carioca.”
Paulinho faz coro: “A nossa ligação com a Portela já é de muito tempo – no meu caso um pouco mais”, diz. “A minha ligação com Marisa vem em parte pela Portela e em parte pelo pai dela.” Carlos Monte, ligado à escola de samba desde o final dos anos 1960, é pai da cantora e autor do livro A Velha Guarda da Portela.

O músico conta que recebeu a proposta para fazer uma série de espetáculos em parceria com outro artista. “Convidei a Marisa e ela aceitou.” Ele lembra que ela, desde o primeiro disco, em 1989, gravou música de Candeia (1935-1978), nome consagrado do samba e da música brasileira. Depois, foi a vez de Tudo Azul, disco e DVD sobre a velha guarda portelense. Marisa também cantou e gravou Dança da Solidão, de Paulinho, levando, segundo ele, a sua música às novas gerações.

A escola de samba do coração não é o principal ponto de união entre os dois, garante o cantor: é a música e a arte acima de tudo. “Esse nosso relacionamento, essa nossa amizade implica em outros trabalhos – e não só coisas ligadas à Portela. E fizeram com que tudo ganhasse uma outra dimensão. Acabou sendo uma coisa mais extensa, naturalmente.”

Paulinho da Viola Encontra Marisa Monte: sexta-feira (1º/9), 22h30 (a casa abre 21h). Classificação: 16 anos. Classic Hall - Av. Agamenon Magalhães, 680. Ingressos: De R$240 (cadeira) a R$3 mil reais (camarote/ 10 pessoas). À venda na bilheteria do Classic Hall, Figueiras Calçados (Centro, Shoppings Recife) e www.bilheteriavirtual.com

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