Frevos e marchinhas registravam o cotidiano brasileiro

De Índio quer apito a Criado com vó, prevalecia o bom humor
JOSÉ TELES
Publicado em 21/01/2018 às 0:25
De Índio quer apito a Criado com vó, prevalecia o bom humor Foto: foto: reprodução


A marchinha e o frevo-canção tinham entre suas temática o cotidiano. Nas letras, crônicas sintéticas e afinadas de acontecimentos recentes, desenvolvimento de ditos populares ou piadas e anedotas. Os ditos populares deram um grande sucesso ao compositor e publicitário Rudy Barbosa, na canção Só Tem Tu, Tá, um dos sucessos do Carnaval pernambucano de 1968, gravado por Limoeiro.

 Meio século atrás, começou-se a se usar no Recife a expressão “Ô maré” (de “Ô maré boa”). Servia para designar uma coisa bacana, como elogio. Passava uma moça prendada e o galanteador soltava um “Só tem tu, tá? Ô maré!” Em 1968, galanteio ainda não era considerado tara. A moça fazia um ar de riso, ou retrucava: “Te enxerga, macho”. A letra era quase minimalista:

 “Fica lá com teu brotinho/que eu me abraço com a coroa (duas vezes)/ela sabe o que quer/isso é que é mulher (duas vezes)/quando eu grito ela sabe como é/só tem tu, tá, ô maré”. Ditados e expressões inevitavelmente ficam datadas. No hino oficial do Carnaval pernambucano há uma dessas expressões “É o suco” que, na década de 20 e 30, equivalia ao “Ô maré” nos anos 60. Assim como “É de amargar”. A expressão também é dos anos 30 e deu título a um dos frevos mais conhecidos de Capiba: “Eu vou cair no frevo/que é de amargar”. O amargar aí pode ser trocado por “é bom demais”.

 O ÍNDIO

 Sucessos carnavalescos que vêm de piadas, passados os anos, tornam-se sem sentido, é o caso de Índio Quer Apito (Haroldo Lobo/Milton Oliveira), gravada por Walter Levita, em 1960. Naquele ano, a capital federal foi transferida para Brasília, no Planalto Central, lugar ermo, na época, bem no meio do Brasil e do nada, dizia-se então. Mas a “corte” quase toda teve que deixar a Cidade Maravilhosa para ir para o Planalto Central.

 Contam que, certo dia, a primeira dama, dona Sara Kubitschek, fez uma visita a uma tribo de índios e levou uma sacola cheia de presentes. Ao se despedir dos visitantes, ao dobrar-se para apanhar um colar, a primeira dama deixou escapar um estrepitoso pum. Levantou-se, meio sem graça, e estendeu o colar ao chefe dos índios, que falou: “Índio não quer colar. Índio quer apito”. A piada espalhou-se rapidamente pelo país e a marchinha completou a divulgação:

 “Lá no bananal, mulher de branco/levou pra índio colar esquisito/índio viu presente mais bonito/eu não quer colar! Índio quer apito!”. Os compositores perdiam o amigo ou a amiga mas não a piada.

 O clássico Cabeleira do Zezé, uma das marchinhas mais cantadas no Carnaval de 1964, hoje é enquadrada no rol de músicas homofóbicas. “Olha a cabeleira do Zezé/será que ele é/será que ele é/será que é bossa nova/será que ele é Maomé/parece que é transviado/mas isso eu não sei se ele é/corta o cabelo dele/corta o cabelo dele”.

 O Zezé da marchinha era um garçom, do bar em que o compositor João Roberto Kelly bebia em Vila Isabel. Zezé usava longas melenas, que inspiraram o autor a compor seu primeiro grande sucesso. Difícil mesmo é saber o que Maomé está fazendo numa marchinha carnavalesca.

 Incluída no Index das canções politicamente incorretas, gravada por Ângela Maria, em 1966, Juvenal no Municipal (Rutinaldo e Milton de Oliveira) realmente, sem grosseria, é uma gozação em cima dos concursos de fantasias, imensamente badalados até os anos 70, com concorrentes predominantemente gays. Assim feito o Juvenal da letra, milhares de rapazes, país afora, sonhavam em desfilar fantasiados no Municipal e virar estrelas, como foram Clóvis Bornay, Evandro de Castro Lima, no Sudeste, ou Múcio Catão, no Recife. “Mandou buscar em Paris uma peça de lamê/pra fazer a fantasia bordada de paetê/chegou Juvenal na passarela/ninguém sabe se é ele/ninguém sabe se é ela”.

 São muitas as histórias das marchinhas, a imensa maioria delas está esquecida e, dessas, poucas voltarão a ser cantadas. Uma pena, pois tem muitas geniais, a exemplo de Ruas do Japão, de Haroldo Lobo e Cristóvão de Alencar, lançada por Linda Batista, em 1943. Era plena Segunda Guerra Mundial e os autores esculacham a Terra do Sol Nascente, com letra inteligente, e uma ótima melodia:

 “Nas ruas do Japão/Não há mão nem contramão, chi/ Lanterna de papel é lampião, chi/ Suicídio lá se chama harakiri, chi/ Aquilo é um verdadeiro abacaxi/ Quando lá é meia-noite/ Aqui é meio-dia/ O quimono lá é moda/ Aqui é fantasia/ E por isso todos dizem/ Na terra do Micado/ Tudo, tudo, tudo Tudo é atravessado”.

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