O maestro Luiz Cláudio Ramos é presença certa e sabida no palco com Chico Buarque, desde que o cantor passou a lançar disco e entrar em turnê logo em seguida. O que acontece desde Paratodos, há 25 anos. Ele é o violonista do grupo, e arranjador do repertório, tanto nos concertos quanto no estúdio. Nascido há 69 anos, o carioca Luiz Cláudio cresceu numa família de músicos. É irmão de Carlos José, cantor de muito sucesso nos anos 1960, o último dos intérpretes de seresta. “Geraldo Vandré foi íntimo amigo de Carlos José, meu irmão mais velho. Estudavam juntos, faziam show na faculdade, eu era bem pequeno. Me encantava ver aqueles ensaios, as pessoas cantando. Não cheguei a tocar com Vandré. Na volta dele ao Brasil compusemos duas músicas. Ele me encontrou no estúdio e fizemos. Uma não tenho mais ideia, a outra eu me lembro, porém nunca foi gravada. Nunca mostrei pra ninguém”, revela o maestro.
A turnê do novo disco de Chico Buarque, Caravanas, está pela metade. Aterrissa nesta quinta-feira, no Teatro Guararapes, onde permanece até o domingo. Os ingressos, apesar do preço salgado, foram quase todos vendidos, o que é comum em turnês do cantor. “Esta turnê, acho que está tendo uma repercussão maior, porém é difícil a gente dimensionar, porque em todas a receptividade foi sempre grande. Como ele faz turnês espaçadas, tem sempre uma demanda muito grande pelo Chico. Vi todas as turnês, mas não sei qual que teve mais gente, mais lotada. O Chico é um ídolo muito querido. Esta tem também a diferença de ter uma conotação política maior. Mas Chico é um artista desde sempre assumido politicamente e participante”, comenta Ramos.
A primeira gravação que fez com Chico Buarque foi há 45 anos, no disco Calabar, a faixa Bárbara, com arranjo de Edu Lobo. A partir daí, participou de quase todos os discos do cantor, com quem começou a tocar em show em 1975, no show Chico & Bethânia: “Já nesse show, e no disco ao vivo, participei fazendo o que chamavam de arranjo de base. A banda era meio Bethânia, meio Chico. Eu e Franklin da Flauta, que éramos da turma do Chico. Nesse show elaborei junto com ele as harmonias, os arranjos de base. Eu pegava as harmonias, discutíamos, e eu passava para o maestro Gaya (Lindolfo Gaya, 1921-1987), que fez os arranjos da orquestra nesse show”.
Assim como Carlos José trocou o direito para ser cantor, Luiz Claudio Ramos escanteou a medicina para entrar na música, a conselho do compositor Sérgio Ricardo, com quem trabalhou na adaptação para o teatro de O Coronel de Macambira, do poeta recifense Joaquim Cardoso (no qual ele está trabalhando novamente, com um grupo de Teatro Universitário Carioca, Tuca):
“Larguei a medicina no segundo ano porque já estava envolvido com música num nível bastante profissional, tocando com Simonal, que na época era uma febre. Acho que sempre soube que queria ser músico. Tinha irmão engenheiro, outro advogado, e fui pra medicina. Me desenvolvi bastante no estúdio, e tive oportunidade de praticar, desde muito jovem comecei a fazer arranjo, dei sorte. O primeiro disco inteiro que arranjei foi também o primeiro de Fagner, Manera Fru Fru, Manera”, conta o maestro. Ele ressalta que até 1986 escrevia os arranjos na intuição. Naquele ano elaborou uma técnica, baseada em quatro escalas que o ajudou a desenvolver o trabalho com vários artistas. Uma técnica, segundo ele, que é simples na teoria, mas na prática é mais complicada.
Obviamente, a criação dos arranjos para Chico Buarque não é uma tarefa feita sem a participação do “chefe” e chega próxima de uma parceria. Aliás, os dois são parceiros em um par de canções, Outra Noite (de Paratodos, 1993) e Cecilia (As Cidades, 1998):
“A partir de quando ele me mostra a música, a gente começa a trocar figurinhas. Tem muita gente que acha que fazer arranjo é uma coisa técnica. Mas não é só técnica. Tem uma parte de criação muito importante. Se bem que hoje em dia, com a falência da indústria fonográfica, ninguém grava mais com orquestra, quase ninguém, poucos são os artistas que tem verba pra gravar com orquestra. O problema de fazer arranjo pra disco, depende do tempo que a gente tem. Arranjo, se deixar, nunca acaba, muda uma notinha aqui, uma notinha ali. Com o tempo o arranjo vai amadurecendo. Chico nunca entregou as músicas todas pra gente fazer arranjos. Ele começa com umas quatro, e vai entregando aos poucos. Neste disco o processo foi ainda mais demorado. Demorou praticamente dois anos pra ser feito. As primeiras músicas que ele me deu eu trabalhei mais, levei mais tempo mexendo nelas. A gente grava a base primeiro, os instrumentos que acompanha o violão e piano, contrabaixo e bateria. E a partir daí eu vou escrevendo pros outros instrumentos que forem participar, quando o disco está chegando no fim, pega as músicas que tem orquestra de cordas, grava num dia, sopro grava no outro dia. O processo é esse. Então as primeiras são as mais trabalhadas em todos os discos do Chico, o que não quer dizer que sejam melhores ou piores”.
Tampouco os arranjos são engessados, seguidos rigorosamente durante a turnê inteira, e reaproveitados na turnê seguinte, confirma Luiz Claudio Ramos: “Os arranjos vão se desenvolvendo até determinado ponto, naquele momento, naquela turnê. Alguém faz alguma coisa, os músicos interagem, arranjo nunca fica pronto. As músicas antigas, por exemplo, nos arranjos que fiz pra esta turnê são diferentes dos originais, procurei fazer novas abordagens das música antigas. Poucos arranjos se mantiveram”.
CARREIRA
Além do trabalho como músico de estúdio, como se define, Luiz Claudio Ramos gravou três discos, um solo (uma pela série MPBC, pela Phillips, em 1980), mais três com o Quarteto em Cy (Falando de Amor para Vinicius, CID, 2001), com Franklin da Flauta (Dois Irmãos, Manacá, 2011), e com Carlos José (Musa das Canções, 2015). Quando não está trabalhando com Chico Buarque, ele se volta para a produção e arranjos para os diversos projetos e artistas, e a um projeto pessoal, sobre o qual se debruça há anos: “Fiz transcrições, arranjos, alguns parecidos com o original, de músicas de Tom Jobim. Um trabalho pesado, que estou fazendo há muitos e muitos anos. Acho que agora está quase no ponto de apresentar. Eu até fiz uma gravação de parte deste trabalho, mas ainda não estava maduro. É uma espécie de estudo, de técnica de
violão. A parte musical está resolvida, o que falta é parte técnica de violão, algumas coisas são bastante difícil, é um projeto de vida que preciso concluir”.
Ele terá bastante tempo para concluir este projeto quando chegar ao fim a turnê Caravanas. Aos 74 anos, gravando com intervalos de cinco, seis anos, Chico Buarque estará com 80 anos, ou quase isso no próximo disco. Provavelmente terá disposição para voltar à estrada.
O diretor musical não pode responder pelo compositor, mas já pavimenta o caminho para intensificar a carreira solo: “Do Chico eu não sei, sei dos meus projetos. Tem uma pessoa que está elaborando projetos meus. Estou me preparando cada vez mais pra tocar sozinho. Acho que Chico ainda curte viajar. Porém o problema de uma turnê dessas é que demanda muita energia. Nem é o show em si, que é sempre um prazer, mas a espera, os hotéis, os aeroportos. A rotina é meio militar, tem que estar naquela hora, naquele lugar. Uma organização grande, envolve muita gente. Isto deve ser bastante sacrificante pra ele, mas claro que ele gosta. Dentro desse esquema, Chico tem feito shows regularmente desde Paratodos.