No auge do sucesso, em 1958, Elvis Presley, a maior estrela pop do mundo, foi convocado para servir nas forças de ocupação americanas na Alemanha. Passou quase dois anos na farda. Excetuando-se uma apresentação no Canadá, foi a única vez que o Rei do Rock deixou os Estados Unidos. Não por amor exacerbado à pátria, não gostar de estar longe de casa ou idiossincrasias afins. Ele não fazia turnês internacionais pelo simples fato de o coronel Tom Parker, seu empresário, não poder sair dos EUA, sob o risco de não lhe ser dada permissão para entrar novamente. Era holandês e vivia ilegalmente no país, sob nome falso.
Chamava-se Andreas Cornelius van Kuijk, nascera em 1909 em Breda, na Holanda, adotou o Tom Parker quando ainda trabalhava em circos, e nunca se importou em se nacionalizar americano, nunca se soube o motivo. Parker mantinha Elvis Presley sob total controle, e não se opôs a que seu contratado fosse servir às Forças Armadas na Alemanha. Considerava que aquilo faria de Elvis não apenas uma espécie de herói americano, o astro arriscou uma carreira milionária para cumprir seu dever coma pátria.
Claro que enquanto o seu rapaz estava na Europa, ele inundava o mercado de discos e merchandising. Claro também que Elvis Presley não ficou o tempo inteiro entregue aos serviços da caserna. Ele tinha permissão para gravar, fazer eventuais apresentações. Num gravador doméstico registrou muita coisa. Canções de que gostava, novas composições que lhe mandavam, posteriormente registradas em discos. Parte dessas gravações é conhecida de bootlegs (lançamentos não oficiais, por gravadoras clandestinas), com má qualidade sonora.
Em verdade, a estadia do G1 Joe Elvis Aaron Presley na Alemanha, já dividida entre ocidental e oriental, mas ainda sem o muro em Berlim, foi muito mais umas férias depois de cinco anos estafantes. Um milionário de 23 anos, Elvis fez serviços internos por pouco tempo. Foi motorista de um capitão, que desistiu dele na primeira semana pelo assédio de fãs. Ficou uma vez de guarda numa guarita, e foi preciso ser resgatado das adolescentes alemãs. Elvis importou seu mundo para a pequena cidade de Bad Nauheim (perto de Frankfurt), trazendo de sua avó a seguranças. Ia cedo ao quartel, mas em um dos dois carros que comprou na Alemanha, um Mercedes conversível e dois BMW, também conversíveis.
O recém-lançado Made in Germany - The Complete Private Recordings reúne tudo o que Elvis gravou na Alemanha enquanto não estava ajudando seu país a domar uma terra devastada por uma guerra que ainda não tinha dez anos de terminada. Os arquivos foram suficientes para quatro discos, que compreendem de canções natalinas a composições de Vernon Presley (pai do cantor), spirituals e gospels, folk irlandês, blues, standards da música americana, hits pop de outros artistas e entrevistas para o rádio. Nessas entrevistas ele se limita a responder o óbvio, até porque as perguntas são as mais óbvias possíveis. A mais profunda, feita pelo radialista Pat Hernon, é sobre o último café da manhã americano que ele ira tomar antes da viagem, e o que teria a dizer às fãs.
Elvis Presley, garantem todos os que conviveram com ele, era simples, espirituoso e bem humorado. Essas gravações domésticas ratificam o que dizem dele. Se musicalmente o álbum nada acrescenta à discografia de um cantor que foi sempre bom, até quando já não acrescentava mais nada à música popular, como documento é precioso. Mostra um Elvis, ainda muito jovem, na intimidade, bastante à vontade para falar e cantar bobagens, fazer imitações, arrotar e emitir ruídos ainda menos recomendáveis. Mas mesmo em descontração geral, brincando com a música, sente-se que vai moldando o que canta à sua voz e estilo. Quem esteve presente àquelas tertúlias na casa do cantor, nos 17 meses em que ele permaneceu na Alemanha, teve o privilégio de testemunhar os últimos meses de Elvis Presley como o artista que mudou o curso da música popular do século 20, um divisor de águas. Astros como Frank Sinatra apenas davam continuidade a uma tradição na música pop, refinada por Bing Crosby, desde que a indústria fonográfica levou a voz do artista até a casa do consumidor.
Elvis não foi continuador de ninguém (influenciado, sim, foi por muita gente), abriu um novo caminho, que mudou a música e o mercado. Atrás dele veio muita gente. Quando deu baixa das Forças Armadas, o mundo entrara na década de 60, a década em que o mundo entrou em ebulição. Elvis Presley foi um Moisés que voltou do Monte Sinai sem as tábuas da lei. Elas foram escritas enquanto ele estava fora. Seus discípulos ditavam agora suas próprias leis. Dois anos depois que voltou da Alemanha, Bob Dylan e os Beatles lançavam seus discos de estreia. Nada mais seria como antes.