Abril Pro Rock encerra programação com fim de semana memorável

Em sua 27ª edição, o festival Abril Pro Rock fez aposta acertada em diversidade e peso, finalizando com duas noites de poderosos shows
Rostand Tiago
Publicado em 22/04/2019 às 9:34
Em sua 27ª edição, realizada em 2019, o festival Abril Pro Rock fez aposta acertada em diversidade e peso Foto: Foto: Pei Fon/Divulgação


Após algumas edições focadas no rock pesado, o longevo Abril Pro Rock, nascido em 1993, voltou, na última sexta-feira, a abrir espaço para atrações menos pauleiras e mais diversificadas. Indo para além de uma noite mais heterogênea, o festival trouxe uma noite também inteiramente composta por expressões femininas, com shows que fizeram do Baile Perfumado palco de sonoridades que foram do coco regional ao o punk experimental. Todas elas com a tônica política pulsando forte, sempre fazendo questão de lembrar por meio da arte e dos discursos os obstáculos que ser mulher traz.

Um dos principais catalisadores da questão política e feminina da noite foi a figura de Marielle Franco, vereadora carioca assassinada no ano passado. Seu nome esteve presente em todas as apresentações, com indagações sobre os possíveis mandantes do crime e gritos pedindo por justiça. O caso foi motivador de dois momentos marcantes da noite, protagonizados por Monica Benício, viúva de Marielle.

O primeiro foi no show da carioca Letrux, o de maior público da noite, quando ela foi convocada para discursar. “Eles combinam de nos matar e nós combinamos de não morrer”, disse, citando a escritora Conceição Evaristo, em jogral com a plateia. Mônica pediu licença para “mudar a vibe do show” e falar sério. Lembrou que ali se completava 401 dias da execução de sua companheira e pediu para que não se conformassem com as prisões já realizadas e continuassem a questionar os motivos. “Um presidente de merda não vai nos silenciar”, gritou, inflamando o público. Mônica discursou também durante o show do grupo russo Pussy Riot, trajando uma balaclava.

Atitude punk feita na Rússia

De política, o Pussy Riot entende. Seus protestos contra o governo do presidente Vladimir Putin as levaram ao tribunal, ganhando os holofotes do ocidente. Foram condenadas e presas em 2013, conseguindo anistia no ano seguinte. Nadezhda Tolokonnikova foi quem veio representar a banda/coletivo, que chegou em formato compacto, com dois sintetizadores, uma guitarra e conceituais projeções, em grande parte de cunho político, alegando que as novas composições apresentadas ali as levariam de volta à prisão na Rússia. O show bastante performático, com uma forte linguagem techno, mesclava canções em inglês e russo, fechando a noite de forma agitada.

Pouco antes, quem ocupava o palco era a também performática Letrux, imersa em uma atmosfera vermelha e acompanhada por excelentes músicos. Mesmo sendo já sua quarta passagem pelo Recife, a cantora embalou um bom público com seus principais sucessos e sua teatralidade. Foi seguida pela poderosa performance do Coco de Umbigada, liderado pela Mãe Beth de Oxum, trazendo ainda guitarras e uma linguagem eletrônica ao batuques do ritmo local, além do forte discurso político sobre o reconhecimento da música regional e a exaltação ao poder da mulher.

A noite foi aberta pelo punk potiguar da banda Demonia, em um show rápido, mas eficiente em esquentar o público que chegava ao Baile Perfumado, com canções também políticas e bem-humoradas. Depois foi a vez do rap tomar conta, com os trios 8.0.8 Crew, Arrete e as paraibanas da Sinta a Liga Crew, com as três apresentações exaltando a cultura periférica e denunciando as violências vividas pela mulher negra, sempre com tons incisivos e afirmando de diversas formas que não seriam mais silenciadas.

Última e pesada noite

Uma das edições mais experimentais do Abril Pro Rock, com direito a três dias de atrações e uma noite totalmente voltada para expressões femininas e heterogêneas, se encerrou levando o fiel público do metal e punk rock para o Baile Perfumado no último sábado. Parte considerável do público de uniforme preto se aglomerava pouco antes dos portões abrirem, por volta das 17h20. “Já passei por todas as casas onde esse festival aconteceu e nunca posso deixar de vir, principalmente com essa programação que dá valor para bandas que estão bem atuantes no underground”, relatou a atendente Cláudia Almeida enquanto esperava para entrar.

As estampas nas camisas já expressavam as atrações que carregavam as maiores expectativas, com desenhos da norte-americana Nuclear Assault e da paulista Ratos de Porão sendo a maioria delas. A primeira já contava com o Baile Perfumado, a postos para se agitar ao som dos primeiros acordes do poderoso trash metal da banda. Não demorou nada para que a primeira roda se abrisse e as cabeças começassem a bater. A banda precisou lidar com problemas técnicos, com a guitarra do vocalista John Connelly impossível de ser escutada. O resto da banda conseguiu se virar com o contratempo, colocando peso no restante dos instrumentos. Após o show, os membros do grupo circularam pelo espaço, tirando fotos com fãs.

Coube ao Ratos de Porão encerrar as atividades com o show que celebra os 30 anos do emblemático álbum Brasil, retrato do país dos primeiros anos de democracia após o regime militar. Uma sinfonia dissonante de sons ufanistas, com trechos da ópera O Guarani, do Hino Nacional e de temas de vitórias esportivas ecoaram nos primeiros minutos. O álbum foi tocado na íntegra e uma roda de grandes proporções tomou o centro do espaço. Clássicos da banda como Aids, Pop e Repressão e Farsa Nacionalista inflamaram o público. Os posicionamentos políticos estiveram sempre presentes, com uma bandeira do Movimento Sem Terra (MST) compondo a cenografia do palco, além das faixas e coros contra o presidente Jair Bolsonaro.

Diferente da noite anterior, o último dia do Abril Pro Rock foi de grande público do início ao fim. Quando a pernambucana Exorcismo fazia o show de abertura, um bom número de pessoas acompanhava seu thrash metal, com as primeiras cabeças batendo. O próprio grupo se disse surpreso com a quantidade de pessoas incomum para um primeiro show da noite. O esquema de dois palcos facilitou a logística, com uma banda se apresentando enquanto outro montava o som, assim não havendo praticamente nenhuma pausa entre os shows.

Nesse esquema, 10 bandas se apresentaram sem grandes problema significativos. A paulista Eskrota, formada originalmente inteiramente por mulheres, teve um problema na guitarra de sua vocalista, mas que foi rapidamente solucionada e o grupo conseguiu logo conquistar o público, trazendo um som rico em velocidade e técnica, além de letras que batem de frente com temas como violência obstétrica e estupro. Assim também foi com a Pesado e suas três guitarras que fazem jus ao nome da banda, além da Manger Cadavre?, com o hardcore aliado ao discurso político, com o show mais concorrido do palco secundário
Mesmo com toda brutalidade sonora e o Baile Perfumado lotado, a noite pode ser considerada tranquila, sem nenhum princípio de tumulto ou acidentes. A atmosfera do local era de confraternização entre os apoiadores da cena do rock underground. A troca de empurrões nas rodas eram logo seguidas por abraços ao final das músicas.

"São tempos difíceis para o rock, mas o Abril sempre experimentou noites. O Pussy Riot caiu como uma luva para a noite que idealizamos para ontem e hoje, com um feriado e esse público fiel e volumoso do rock pesado, temos gente de mais de 50 cidades. A cultura precisa insurgir contra esses tempos difíceis que estamos vivendo e a melhor maneira é fazendo barulho", explica Paulo André Moraes, idealizador do festival, fazendo um balanço de como foi a edição 2019 do Abril Pro Rock.

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