Serguei viveu num sonho de rock and roll

Com ele fantasia e realidade se confundiam
JOSÉ TELES
Publicado em 08/06/2019 às 9:44
Com ele fantasia e realidade se confundiam Foto: Foto: Divulgação


Sérgio Augusto Bustamante, o roqueiro carioca Serguei, 85 anos, faleceu ontem, no Hospital Regional do Médio Paraíba Doutora Zilda Arns Neumann, em Volta Redonda, no Estado do Rio. Estava internado desde o dia 6 de maio. Ele deu entrada no hospital com um quadro de pneumonia, anemia e infecção, e sofria de Alzheimer. A causa da morte foi falência múltipla dos órgãos. “Rock é tudo. E não é apenas música, é um estilo de vida”, afirmou ele, numa entrevista concedida, em 2010, ao Jornal do Commercio.

 Naquela época, acontecia a passagem do centenário de morte de Joaquim Nabuco e Serguei lembrou que nas veias corria sangue da família do pernambucano ilustre. No nome de batismo do roqueiro não tem um “Nabuco”, mas ele esclareceu o parentesco: “Sou Nabuco por parte de mãe. Minha avó era sobrinha de Joaquim Nabuco”.

De classe média bem estabelecida, Serguei conheceu o rock quando o gênero engatinhava, morando com a avó em Long Island, em meados dos anos 50. De volta ao Brasil, foi bancário e comissário de bordo (reza a lenda que foi demitido por derramar bebida sobre a atriz italiana Gina Lollobrigida). Serguei demorou para seguir a carreira musical. Estava com 33 anos, quando gravou o primeiro compacto, em 1966, com o rock As Alucinações de Serguei, de Osmar Navarro, o mesmo que escreveu, anos depois, Galeguim dos Oio Azu, pra Genival Lacerda).

Era a época do iê-iê-iê, Serguei chegou a passar pelo programa Jovem Guarda, mas sua figura andrógina não se encaixava no figurino de então. Aliás, ele sempre foi um outsider, mesmo quando recebeu sua maior exposição pública, nas duas apresentações no Rock in Rio (em 1991 e 2001). “Fiquei à margem do iê-iê-iê. Nunca cortei o cabelo daquele jeitinho. Gostei sempre de cabelos como uso até hoje, e me vestia e me visto como me sinto bem”. Ele manteve, em 2010, por pouco tempo, um programa no canal Multishow, transmitido de sua casa, em Saquarema, na Região dos Lagos, Estado do Rio. Ele transformou sua casa num museu, O Templo do Rock, onde expunha sua coleção de memorabilia, a maioria de si mesmo – colecionava tudo que escreviam sobre ele.

 Serguei também contava histórias mirabolantes envolvendo nomes do primeiro time do rock internacional, como Jim Morrison, Jimi Hendrix e Janis Joplin, que teria conhecido numa festa da elite pop de Nova Iorque. Nessa mesma noite, Janis teria quebrado um garrafa na cabeça dele. As peripécias com Janis Joplin continuariam, em 1970, na breve e conturbada vinda da cantora americana ao Brasil. Serguei, que sempre caminhou pela calçada da barra pesada, reencontrou Janis Joplin enquanto cantava num inferninho (boate de má fama) em Copacabana. Fumaram maconha na praia e saíram por outros inferninhos.

 Espalhou-se que os dois tinham transado, mas ele sempre negou, porém deixando margens para dúvida “Naquela vez, não”. Sexo era assunto abordado constantemente no Serguei Rock Show, no Multishow. Ele até dava dicas rápidas sobre sexo: “Deixe a porta do armário aberta” é uma delas: “Sou um escravo do sexo. Tanto posso fazer com um garotão, quanto com uma mulher. O que é preciso é o respeito ao outro. Nisso, o Brasil, o Rio, ainda é muito atrasado. São Paulo é mais aberto. Todo mundo deve ser livre para fazer o que lhe faz feliz. E me fazer feliz não implica que eu também faça a felicidade do meu vizinho”, diz Serguei, que já revelou ter feito programas nas calçadas de Copacabana:

 “Era o cowboy da meia-noite, na metade dos anos 50, com 18 anos de idade até mais ou menos perto dos 30 anos. Depois achei que estava meio decadente e foi acabando”.

 Serguei foi artista de palco, era um performer. Quando foi gravar compacto de estreia, o dono do selo Equipe, o músico Ed Lincoln, apontou logo que ele não tinha voz, mas que faria sucesso. Nunca fez. Seus discos venderam muito pouco. Ele se saía melhor cantando hits do rock em inglês, mas não se importava. Sua discografia é pequena. Seus discos permaneceram pouco tempo em catálogo.

PALCO

 “Eu não me importo muito com disco, no meu site estão liberados para download. Você não conhece o artista só pelo disco. Artista se conhece no palco. Tem que ter palco”, disse Serguei, lembrando sua performance no Rock in Rio II, em 1991: “Me deram um microfone com fio. Mas eu queria cantar no meio do público, quando prestei a homenagem a Janis, cantando Summertime. Pedi que me dessem bastante fio, fui até a beira do palco e saltei no meio deles. Abri o fecho da calça, botei a mão por dentro, e puxei de lá uma rosa, que apanhei no camarim, claro que tirei os espinhos antes. Foi um sucesso, eles pensaram que eu puxar outra coisa”.

 Um ano mais velho do que Little Richard, dois anos mais velho do que Jerry Lee Lewis, os dois mais velhos roqueiros americanos (ambos fundadores do gênero), Serguei era o roqueiro mais velho do Brasil. Reclamava por não receber convites para se apresentar fora do Sudeste. “Vim ao Recife quando trabalhava como comissário de bordo nos anos 50. Lembro da praia de Boa Viagem sem prédios na avenida beira-mar. Adoro esta terra, e nunca fui chamado para cantar aí”, lamentava o parente de Joaquim Nabuco.

 

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