Dentro das pulsões artísticas da década passada no cenário do hip hop, o grupo Odd Future está, certamente, entre os principais e mais influentes da música atual. Não como um todo orgânico, mas pelas suas individualidades guiadas pelo senso estético e artístico do seu “líder”, o rapper norte-americano Tyler, The Creator.
Partindo daí, os caminhos dos seus membros assumiram várias vertentes – com o passar do tempo cada vez mais autorais. Um deles, o cantor Frank Ocean se tornou um dos grandes nomes da revitalização do R&B no século, por exemplo.
Um dos bons prazeres de acompanhar o grupo é embarcar nos seus processos de amadurecimento – do surgimento até a guinada em outros caminhos artísticos, uns mais consolidados e outros mais declinantes. O mais interessante deles talvez seja do rapper Earl Sweatshirt.
Sob a asa de Tyler, na época estremecendo convenções no cenário do hip hop, o rapper surgiu com uma voz juvenil e lírica despojada. Beats praticamente reciclados dos trabalhos de Tyler compuseram o que, relativamente, seria o primeiro projeto de Earl, o homônimo Earl (2010).
Três anos depois viria Doris, tornando a assinatura do artista algo autoral na cena do rap norte-americano. Uma das suas faixas de abertura, Burgundy, indicava um prelúdio para sua carreira em diante, e já o estabilizava em um direcionamento artístico muito particular. Na letra, uma voz em off questionava o rapper o porquê da sua depressão, enquanto ele versava sobre acompanhar o falecimento da sua avó trancado no estúdio para finalizar o álbum.
I Don’t Like Shit, I Don’t Go Outside (2015), seu terceiro projeto, já entrega desde o título a tessitura da sua obra. Beats sombrios, a voz mais grossa e letras intimistas mergulhavam as sonoridades em um universo de confinamento criativo e solitário.
Em 2018, durante turnê na Europa, o rapper anunciou uma pausa na carreira para enfrentar uma depressão. Em novembro, voltou com o álbum Some Rap Songs, lidando com seus problemas e o período de forma mais direta, além da relação e perda do pai, o poeta africano Laureate Keorapetse Kgositsile.
Mais do que um refinamento lírico, o projeto indicou um tensionamento na obra de Earl. Seus direcionamentos artísticos tornaram-se outros; mais experimentais e autorais, com o artista comandando quase toda produção das músicas. Espiritualidade, poesia e concisão se reuniam em um álbum relativamente curto, com cerca de 25 minutos.
Os beats ciclicamente repetidos aludiam aos trabalhos do histórico rapper MF Doom, que Earl ressignificou com mais organicidade, ao mesmo tempo em que assumia caminhos experimentais. O ápice talvez esteja em composições como Shattered Dreams (misturando os beats com uma citação do escritor James Baldwin) e Ontheway!, onde o rapper se junta ao grupo de jazz e hip hop experimental Standing on The Corner.
Some Rap Songs parece ter significado uma virada artística na carreira do rapper. É o que confirma Feet of Clay, novo projeto lançado recentemente. Mais conciso, o trabalho tem 15 minutos e 26 segundos de duração. A produção é quase toda de Earl, que também divide a assinatura com Alchemist e Ovrkast.
As composições seguem o ritmo do seu projeto anterior; beats cíclicos, experimentais e uma lírica pesada de vivências particulares contadas de maneira frontal. O que difere um do outro talvez seja o amadurecimento. Desde a capa Earl parece expandir suas direções artísticas para a criação de um universo sonoro e estético autoral.
As músicas soam mais espirituais e enigmáticas, com seus textos sobrevoando os problemas do rapper e outras vivências. 4N, a última composição do projeto, talvez resuma tudo; junto ao rapper Mach-Hommy, Earl praticamente reza rimando sobre um beat sombrio em letras desconexas que perpassam sobre armas e morte.
No final de tudo, o tom parece já estar estabelecido – da voz fina e despojada para uma lírica pesada e franca, os caminhos do artista vão se aprofundando em algo único na cena do rap atual.